Entrevista

«Utilizar dados potencia as decisões e torna-as implementáveis»

Entrevista a Daniel Pereira, partner da LTP.

Daniel Pereira © LTP

Daniel Pereira, partner da LTP, sublinha, em entrevista à businessIT, que o maior valor da IA está na capacidade de potenciar decisões humanas, tornando-as mais eficazes e estratégicas. É este o desafio central que as empresas enfrentam, actualmente.

Como apresenta a empresa?

A LTP surgiu em 2015, como um spin-off do INESC TEC, com o objectivo de levar boas práticas do mundo da investigação para a realidade dos negócios. Temo-nos adaptado ao longo dos últimos anos, mas o nosso núcleo tem-se mantido: somos uma consultora de gestão que ajuda as empresas a tomar melhores decisões com base em dados e inteligência artificial. Esta é a missão da LTP.

Nessa altura, apesar de a inteligência artificial já existir há muito tempo, a percepção sobre a sua aplicação era diferente?

É verdade. Podia-se dizer que havia vários projectos de inteligência artificial, mas não se chamavam assim. Falava-se mais de machine learning, fazer previsões e ajudar a antecipar comportamentos. Hoje, coloca-se tudo dentro do chapéu da inteligência artificial. Nós também já fazíamos projectos da índole de prescrever e optimizar decisões, algo que,, hoje também se pode encaixar claramente no mundo da IA. É verdade que o apetite por estes temas tem aumentado nos últimos anos, é inegável que o surgimento destas novas frentes fez crescer o interesse e o próprio processo de venda da LTP, a forma como nos aproximamos do mercado, também mudou.

A tipologia de cliente tem-se alterado desde a criação da empresa até hoje?

Inicialmente, a LTP estava muito voltada para o retalho. Os nossos projectos estavam bastante direccionados para este sector. Nos últimos anos, fomos alargando e, hoje, somos uma empresa generalista, que trabalha bens de consumo, retalho alimentar, electrónico e fashion, manufactura, serviços financeiros, healthcare, telecomunicações e, até, banca. Hoje, enfrentamos desafios complexos e transversais nestes diversos sectores.

Dentro das empresas, qual é a abordagem mais comum nos projectos? Departamental ou holística?

Existem várias formas, mas diria que a LTP vê o uso de dados e inteligência artificial como algo transformador de forma holística e transversal. Os nossos projectos de maior sucesso são aqueles onde conseguimos cruzar departamentos e decisões, porque utilizar dados potencia as decisões e torna-as implementáveis. O nosso percurso habitual é começar por um projecto curto chamado ‘Discovery’, envolvendo o C-level, directores de primeira linha e identificando oportunidades estratégicas. Pode considerar-se uma prova de conceito, cujo objectivo principal é mostrar às organizações o que podem fazer com IA e dados. Depois, avançamos departamento a departamento, ou com vários departamentos em simultâneo, em iniciativas mais concretas e estratégicas.

Como é que cativam os clientes, considerando que eles próprios têm acesso à inteligência artificial?

É uma excelente e complexa pergunta. Há várias formas, mas diria que o principal é a capacidade de a LTP personalizar soluções à medida das necessidades específicas do cliente. Se formos buscar uma solução off-the-shelf, standardizável, nem sempre conseguimos adaptar essa solução ao negócio ou aos processos específicos dos clientes. A LTP não tem soluções fechadas e entrega projectos completamente customizados e alinhados às necessidades de cada cliente. Outro ingrediente que nos diferencia é não sermos apenas uma empresa de TI, nem apenas uma consultora de gestão. Acreditamos que é na combinação destas duas áreas que conseguimos entregar os projectos mais interessantes e desafiantes.

A distância entre investigação académica e aplicação prática nas empresas já está mais curta?

Continua a haver oportunidade para ser mais curta, embora tenha melhorado nos últimos anos. Acredito que há uma preocupação dos próprios centros de investigação de que isso aconteça, porque têm projectos em contexto prático. E a verdade é que a LTP pode também ajudar a acelerar este processo, porque mantemos ligações com a academia e vamos buscar elementos externos, quando entendemos que nos podem desafiar. Temos também investigação interna e aplicamos rapidamente os conhecimentos em contexto prático.

É difícil captar e reter talento nesta área? Quantas pessoas têm, actualmente?

Neste momento temos cerca de 110 pessoas na LTP, temos crescido consistentemente entre 20 e 40% ao ano, durante a última década. O nosso principal activo são as pessoas, são os consultores. A tecnologia é mais facilmente adquirível, desde que tenhamos as pessoas certas. Por isso, somos muito cuidadosos no recrutamento, geralmente contratamos directamente nas universidades e apostamos num processo contínuo de aprendizagem e crescimento interno. Temos políticas internas sólidas para garantir o bem-estar dos colaboradores, monitorizando regularmente o seu desgaste e oferecendo formação personalizada. Admito que projectos interessantes e variados também contribuem significativamente para a retenção do talento.

O que leva um cliente a contratar-vos? Retorno do investimento, TCO?

Os resultados continuam a ser determinantes. Resultados financeiros são importantes, claro, mas também há uma grande procura por resultados de transformação de processos e melhoria prática através dos dados e da IA. Um aspecto-chave no nosso crescimento é que muitos dos nossos clientes se mantêm connosco por longos períodos. Temos clientes contínuos desde 2015 precisamente porque conseguimos entregar resultados tangíveis rápida e continuamente.

Pode dar exemplos concretos de intervenções com sucesso?

Posso dar dois exemplos diferentes. Primeiro, o planeamento integrado de operações e vendas em empresas industriais ou de bens de consumo, onde ajudamos os decisores a planear actividades utilizando modelos prescritivos. Desta forma, conseguem usar os seus recursos (máquinas e pessoas) de maneira eficiente, atingindo melhores resultados de vendas e rentabilidade. Outro exemplo é um projecto recente com inteligência artificial generativa, numa empresa internacional de bens de consumo, onde construímos um sistema proprietário de gestão do conhecimento, consolidando informação interna/externa, ajudando equipas de marketing e vendas a tomar decisões estratégicas sobre lançamentos de novos produtos.

Existe preocupação por parte dos clientes sobre ética e responsabilidade no uso da IA?

Sim, claramente. A preocupação tem crescido nos últimos anos, nomeadamente com temas como ética, transparência, confidencialidade e RGPD. Quando se procura um parceiro estratégico, espera-se que este garanta estes aspectos. A LTP tem a certificação ISO 27001, o que garante que os nossos processos estão alinhados com um tratamento adequado dos dados.

Quais são os principais desafios futuros da inteligência artificial nas empresas?

Ninguém sabe exactamente onde isto vai parar e isto é um desafio em si mesmo. Apesar dos avanços recentes na IA generativa, persistem desafios fundamentais: compreender como os modelos geram, efectivamente, valor para o negócio, optimizar a ligação entre o decisor humano e a tecnologia e não cair apenas na tentação da automatização. A maior oportunidade estará, provavelmente, na “augmentação” das decisões humanas através da IA. Outro aspecto crucial é a necessidade constante de re-skilling das pessoas para acompanhar esta evolução tecnológica rápida. É nesta interligação entre tecnologia, estratégia de negócio e pessoas que vão residir os maiores desafios e oportunidades futuras.

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