Entrevista

«Queremos promover a democratização da interligação  para que possa ser usada por todo o tipo de organizações»

Entrevista a Ivo Ivanov, CEO da DE-CIX.

Ivo Ivanov © DE-CIX

À margem da conferência Atlantic Convergence, que se realizou em Lisboa, conversámos com Ivo Ivanov, CEO da DE-CIX. O responsável explicou à businessIT a importância de Portugal como porta de entrada para fluxos de dados transatlânticos e a estratégia da empresa de Internet Exchange (IX) para ajudar transformar a Península Ibérica num hub regional de conectividade.

Como é que a DE-CIX se apresenta ao mercado?

A DE-CIX foi fundada em 1995, em Frankfurt, como plataforma de IX, que faz a gestão da interligação directa entre diferentes tipos de redes. Tudo começou porque os fornecedores de serviços de Internet se aperceberam de que era muito melhor trocar o tráfego entre eles através dos utilizadores que tinham como clientes, directamente na Europa, em vez de pedir que esse tráfego viajasse para os EUA e voltasse, que era o habitual, nessa altura. Há quase trinta anos, havia apenas três redes ligadas à plataforma e, actualmente, a DE-CIX tem 58 exchanges diferentes nos cinco continentes, servindo mais de 3600 redes. O modelo que utilizamos é o mesmo em todo o lado: somos um data center neutro, presente em diferentes centros de dados, que gere uma rede entre estes, fazendo um ecossistema único. É uma interligação agregada, muito segura e directa.

Há uma analogia que explica o que fazemos enquanto Internet Exchange, que é a de um aeroporto. Um operador aeroportuário é responsável pela gestão desses serviços, onde muitas companhias aéreas aterram e descolam, trocando passageiros e bagagem. Portanto, somos uma espécie de operador aeroportuário da Internet, mas em vez de companhias aéreas, permitimos que diferentes tipos de redes se interliguem e troquem pacotes dados, em vez de passageiros e bagagem.

E que tipo de redes é que interligam?

As dos fornecedores de serviços de Internet e de fornecedores de serviços geridos do sector dos conteúdos OTT, como a Netflix, a Apple, Google e Meta, entre outros. Depois, temos os fornecedores de serviços de cloud, as redes de distribuição de conteúdos que entregam tráfego a outros, redes de tipo misto ou redes de aplicações especiais, como os fornecedores de jogos, assim como redes relacionadas com serviços de segurança. Hoje, vemos cada vez mais empresas de diferentes segmentos da indústria, como o automóvel, o retalho, a saúde e a logística, que começaram a ligar-se à nossa plataforma, a nível global, para poderem gerir a sua estratégia de transformação digital.

Qual é a estratégia da DE-CIX?

A estratégia baseia-se em dois pilares. O primeiro é a geografia, em que o objectivo final é estar presente em todo o mundo; é muito importante ter esta presença local, por causa da latência, da segurança e da soberania dos dados. É uma questão de física. O segundo, está relacionado com a automatização de diferentes tipos de serviços, com vários objectivos. As empresas, dependendo do seu modelo de negócio, como os serviços de streaming, precisam do maior número possível de outras redes para obterem os seus conteúdos e os transmitirem aos utilizadores. Outras, como os bancos, precisam de um ambiente mais seguro, de um ecossistema de interligação virtual privado. Há ainda o Cloud Router, que oferece uma troca de dados directa, privada e de alto desempenho entre diferentes cloud; e o AI Exchange, que consiste num conceito que introduzimos no mercado e que faz a gestão automatizada da conectividade de diversos modelos de IA. Queremos promover a democratização da interligação para que possa ser usada por todo o tipo de organizações.

E qual é o maior desafio para se atingir esse objectivo?

Neste momento, e porque muitas das organizações não são do sector das telecomunicações, não têm conhecimento sobre como utilizar este tipo de infraestrutura. Portanto, temos, por um lado, de educar e, por outro, de facilitar ao máximo a sua utilização, através de configurações automáticas. A formação é extremamente importante e a DE-CIX criou há dois anos uma plataforma aberta, a Interconnection Academy (interconnectionacademy.net), com a ajuda da Pompeu Fabra University de Barcelona. Esta destina-se a jovens profissionais, profissionais, experientes e quem queira ter formação em interligação com módulos sobres os diferentes elementos, sejam técnicos, empresariais ou regulamentares. O objectivo é, com a ajuda de diferentes parceiros, das partes interessadas, da comunidade, dos operadores de data centers, dos fornecedores de fibra, etc., criar um conjunto abrangente de módulos que terminem com um certificado de especialistas em interligação. Queremos apoiar a formação dos talentos do futuro, a nova geração de especialistas neste tema das infraestruturas e ajudar as diferentes organizações a usarem a interligação e a retirarem benefícios.

Disse na sua apresentação que a «latência é a nova moeda». Por quê?

Porque cada milésimo de segundo conta – e é diferente no dólar e no euro, pois quanto menos, melhor. Mas é um bom KPI para medir a relevância do serviço. Quanto menor for a latência, maior será o desempenho, maior será o nível de experiência e satisfação dos utilizadores nos escritórios ou em casa. A DE-CIX oferece esta abordagem multi-serviços: um destes é o Microsoft Azure Peering Service, uma interligação de layer 2 directamente para o M365 num ambiente muito seguro e livre de ataques DDoS, com qualidade telemétrica e uma latência extremamente reduzida. Temos um caso de estudo com uma das maiores empresas de construção, a Hochtief, se ligou à plataforma da DE-CIX com este serviço porque tem mais de 35 mil utilizadores no Teams, no CRM, no ERP Microsoft Dynamics e em infraestruturas críticas. A empresa concluiu que, após seis meses, a latência foi reduzida de 65 milissegundos para menos de seis, ou seja, em 90% utilizando o serviço. Assim, podemos dizer que a ‘latência é a nova moeda’, porque devido a esta melhoria da latência, o número de tickets de reclamação realizados ao departamento de TI foi reduzido em 50% e isto é dinheiro puro. Imaginem o que isto significa para a empresa e para a produtividade das pessoas.

Falou da AI Exchange. Pode explicar um pouco mais sobre esse serviço e quando é vai estar disponível para os clientes?

Já está disponível para os primeiros utilizadores beta, mas, como um verdadeiro produto a nível mundial, muito provavelmente, só no final de 2025. O conceito baseia-se na lógica da multicloud: a forma mais avançada de utilizar a múltiplas nuvens de uma forma muito eficiente, segura e com elevado desempenho é encaminhar o tráfego entre as diferentes clouds, AWS ou Azure ou Google Cloud, directamente e não ter um vai e vem constante. Isto economiza dinheiro às organizações e aumenta o desempenho.

A IA como um serviço será um grande mercado, porque os diferentes modelos serão utilizados e oferecidos por prestadores de serviços às empresas para satisfazer as suas necessidades. As organizações não vão começar a criar os seus próprios serviços deste tipo, mas, sim, utilizar as ofertas de fornecedores desta tecnologia. Como na multicloud, existem várias IA e a mesma lógica será relevante; uma empresa não dependerá de um modelo e de um agente de IA, mas de vários. Assim, haverá a necessidade de tornar este encaminhamento entre os diferentes modelos, do ponto de vista organizacional, muito eficiente e muito rápido. E este é o conceito subjacente à oferta, apoiar as organizações nas suas estratégias de IA múltipla, algo que, até agora, não existia no mercado.

A De-CIX realizou um estudo que afirma que a Península Ibérica e Portugal têm potencial para se tornarem um mega hub regional e uma porta de entrada alternativa na Europa para os fluxos de dados internacionais. Por que razão isto acontece?

Já está a acontecer. A Península Ibérica, com os hubs de Madrid, Lisboa e Barcelona e outros mais que podem ser criados, como Valência ou o Porto, é crucial para a existência de fluxos de tráfego de Sul para Sul através do Atlântico, de África para a Europa e do Médio e Extremo Oriente para a América do Norte e América do Sul.

O posicionamento geográfico da Península Ibérica permite servir a região económica panatlântica da melhor forma possível, encurtando os diferentes caminhos estas áreas geográficas. Um exemplo é que, historicamente, as redes africanas têm estado interligadas em Londres e não paravam no Sul da Europa. Agora, isto mudou e os novos cabos submarinos de África amarram em Lisboa. E o que é que isso significa? 25 milissegundos ou 30 milissegundos a menos. Isto é dinheiro real, porque quanto maior a distância que uma empresa utiliza num cabo submarino, mais caro é. Esta é a principal justificação para o importante papel que a Península Ibérica desempenha no mundo da interligação. A nossa presença na Península Ibérica começou em Madrid, em 2016, e depois em Lisboa, em 2018. No relatório, constata-se que houve um crescimento de 1200% das redes locais. Agora temos mais de setecentas redes que se estão a interligar localmente na Península Ibérica. O número de redes internacionais aumentou 800%. Isto diz-nos que as redes globais estão a chegar a Espanha e Portugal, o que significa mais negócios e mais empregos a nível local, assim como uma melhor qualidade da Internet.

O que é necessário fazer no futuro para garantir que isto seja uma realidade?

Um quadro regulamentar mais atractivo para a construção de data centers eficientes, que fale sobre diferentes opções para utilizar energias renováveis, processos de licenciamento simples, eficientes e rápidos para novos centros de dados e para instalar fibra em todo o País, e usar tecnologias de transmissão como o satélite para chegar às regiões que não são fáceis no terreno devido à paisagem, ao modelo de negócio, etc.

É também uma questão de criar um regime fiscal atractivo para os serviços digitais, para o desenvolvimento da inovação, de produtos inovadores e da IA. Tudo isto pode ser um plano geral para envolver todas as partes interessadas na cadeia de valor dos serviços digitais e tornar a Península Ibérica e Portugal o mais atractivos possível, para levar a mais investimentos. Vemos muitos anúncios de investimento e, por isso, deste ponto de vista, Portugal e a Península Ibérica têm um futuro brilhante.

A DE-CIX anunciou recentemente a expansão em Portugal, nomeadamente a Sines. Quais são os vossos planos para o mercado nacional?

Temos já activos três data centers diferentes – Ascenti, Equinix, Start Campus – e estamos ansiosos por mais parcerias de centros de dados em Portugal. Não se trata da área da Grande Lisboa (na qual incluímos Sines, em termos de infra-estruturas), porque está no raio de quase um milissegundo, mas também regiões como o Porto ou o Sul de Portugal, que merecem esta infraestrutura local. Como um operador de exchange que não tem data centers, a DE-CIX depende da implementação desses centros de dados, pelo que quanto mais existirem, maior será também a velocidade da nossa implementação. A estratégia para Portugal é de cobrir todo o País com internet exchanges e continuar a investir no País, porque o nosso negócio é sempre local.