«A lentidão dos órgãos reguladores em actualizar as normas contabilísticas para acompanhar a rápida evolução tecnológica contribui para essa discrepância. A falta de uma estrutura clara para a capitalização dos dados pode resultar numa representação financeira inadequada, prejudicando a transparência e a responsabilização, objectivos centrais das normas IFRS».
Portanto, a lacuna nas normas contabilísticas quanto ao tratamento dos dados destaca a necessidade urgente de uma actualização regulatória: «É essencial que se desenvolvam novas abordagens para capturar o valor económico dos dados de forma precisa e transparente, alinhando as práticas contabilísticas com as realidades tecnológicas modernas. Sem essas actualizações, corremos o risco de comprometer a precisão das demonstrações financeiras e, consequentemente, a confiança dos investidores e a eficiência dos mercados financeiros».
Os dados como activos: o impacto organizacional
As práticas contabilísticas relacionadas ao reconhecimento de activos de dados deverão passar, no futuro, por alterações estruturantes para reflectir com maior precisão o real valor dos dados nas organizações, assegurando assim uma maior transparência e exactidão nas demonstrações financeiras, avança João Anastácio, da Accenture Portugal. Com diversos modelos de avaliação do valor dos dados em estudo, João Anastácio destaca três: o modelo baseado no mercado avalia os dados através de transacções de compra e venda, do impacto dos dados na melhoria das receitas com produtos ou serviços e na valorização de empresas que dependem fortemente de dados como a aquisição do Linkedin ($26,2 B, em 2022) pela Microsoft, a aquisição do Youtube ($1,7 ,B em 2006) por parte da Google ou a aquisição do Instagram ($1 B, em 2012) e do Whatsapp ($22 B, em 2014) pelo Facebook.
Já o modelo económico estima o valor dos dados considerando o impacto económico e social, bem como a influência em políticas e regulamentações. O estudo ‘The Economic Value of Earth Observation From Space’ estimou que os dados geoespaciais de satélites geram cerca de três mil milhões de dólares em benefícios económicos, sociais e ambientais para a Austrália uma vez que impactam actividades como a monitorização meteorológica, a saúde dos oceanos, a perfuração de petróleo, a agricultura ou a gestão de desastres naturais. Por último, João Anastácio fala do modelo dimensional que analisa dados com base em atributos como volume, variedade e qualidade, além do contexto de uso, orientando decisões sobre a aquisição e priorização de conjuntos de dados. «Estes modelos, ou uma combinação deles, poderão servir como base para as futuras directrizes contabilísticas sobre a valorização dos dados».
Com esta evolução das normas contabilísticas, será também mais fácil para as seguradoras reconhecerem os dados como propriedade, e esta conjugação de factores trará, no entender deste especialista, mudanças significativas. «A inclusão dos dados como activos nas normas contabilísticas permitirá um reconhecimento mais preciso da posição financeira das empresas, promovendo maior realismo e exactidão que, por sua vez, impactarão positivamente a saúde dos mercados financeiros. Haverá uma diminuição da exposição financeira a incidentes de dados, graças a uma maior protecção oferecida pelas seguradoras, além de uma capacidade ampliada para cumprir as exigências regulatórias e atrair melhores oportunidades de investimento e condições de financiamento». João Anastácio relembra ainda que as empresas passarão a ser vistas como mais valiosas e representando menor risco por parte de investidores e credores: «Além disso, o reconhecimento do valor dos dados permitirá que as organizações tomem decisões mais informadas sobre a gestão e alocação de recursos, ajustando o investimento ao real valor dos dados que possuem ou pretendem adquirir, aprimorando as suas estratégias e operações».
Todas estas modificações irão, no seu entender, impulsionar ainda mais a economia digital e a transformação dos negócios por meio da inovação, aproximando-nos cada vez mais da ideia de que «os dados são o novo petróleo das organizações».