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Reconhecer o valor dos dados: o novo desafio contabilístico

Os dados são frequentemente considerados o activo mais valioso da economia digital, mas ainda não são formalmente reconhecidos nos balanços das empresas, devido à falta de normas claras. Esta lacuna sublinha a necessidade urgente de actualizar as práticas contabilísticas para reflectir o verdadeiro valor dos dados, com a revisão regulatória a ser considerada pelos especialistas como essencial para garantir transparência e confiança nas demonstrações financeiras, permitindo uma melhor gestão e valorização dos dados.

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Para Luís Gregório, o primeiro desafio é o desconhecimento do volume de dados que dispõem internamente e o seu significado: «A maior parte das organizações, em Portugal, tem muito pouca visibilidade neste campo», menciona. Outro desafio está relacionado com a qualidade e acessibilidade dos seus dados que são fundamentais para a realização do valor dos mesmos. «Sem capacidade de saber o valor interno dos dados, as organizações também não têm a capacidade de saber o seu valor no mercado». Por fim, o responsável da IBM menciona o facto de o valor dos dados estar relacionado com o seu uso: «Assim, uma organização que tenha poucos dados, mas que consiga tirar o máximo partido dos mesmos, pode gerar mais valor do que uma organização com muitos dados capturados, mas que não os usa de forma eficiente nos seus processos».

Uma melhor visão do activo
De um ponto de vista financeiro, estimar o valor dos dados e a sua inclusão nos balanços proporcionaria uma melhor visão dos activos de uma empresa, assegura Pedro Corista, para quem a estimativa do valor dos dados levaria também a uma valorização mais justa e precisa do potencial, ou actual, valor de uma empresa: «De um ponto de vista de inovação, a valorização deste tipo de activos levaria também a um maior reconhecimento externo que se poderia traduzir num maior investimento e visibilidade».

Adicionalmente, o responsável da Capgemini diz que, ao integrar dados como um activo quantificável nos relatórios financeiros, as empresas poderiam gerir mais eficazmente os riscos associados à segurança de dados e à conformidade regulatória. No seu entender, isto não só fortalece a infra-estrutura de dados, mas também aumenta a confiança de todas as partes envolvidas: «Ao mesmo tempo, este reconhecimento formal dos dados como activos poderia impulsionar o desenvolvimento de novos modelos de negócios centrados em dados, expandindo oportunidades de monetização e colaboração estratégica».

No campo regulatório, Pedro Corista lembra que uma melhor contabilidade dos activos de dados exigiria ajustes nas políticas de governança de dados e práticas de relatório, promovendo um maior alinhamento com as normas internacionais de privacidade e de segurança de dados: «A adaptação a esses novos padrões contábeis ajudará as organizações a responderem de forma proactiva às exigências legais e a posicionarem-se como líderes éticos na nova economia digital».

Questionado sobre como actualmente as regras contabilísticas impactam a avaliação dos dados, João Anastácio, da Accenture Portugal, explica que as normas contabilísticas, como as estabelecidas pelas IFRS (International Financial Reporting Standards) e GAAP (Generally Accepted Accounting Principles), enfrentam um desafio significativo ao tentar capturar o valor dos activos intangíveis gerados pelos dados: «Desde a sua introdução, a IAS 38, que rege o reconhecimento de activos intangíveis, tem sido incapaz de reflectir adequadamente o valor económico dos dados. Esta norma, actualizada pela última vez em 2014, não contempla especificamente como os dados, embora essenciais para o desempenho das empresas, devem ser reconhecidos ou avaliados». O especialista detalha que as regras contabilísticas actuais requerem que os activos intangíveis sejam identificáveis, mensuráveis e capazes de gerar benefícios económicos futuros: «No entanto, como já foi referido, a natureza intangível e a variabilidade dos dados dificultam a sua avaliação e capitalização conforme essas normas». Ou seja, enquanto outros activos intangíveis, como patentes e desenvolvimentos de produtos, podem ser capitalizados e amortizados ao longo do tempo, os investimentos em dados são frequentemente tratados apenas como custos, reduzindo directamente os lucros sem reflectir o valor real no balanço patrimonial: