Parece haver poucas dúvidas de que a digitalização é um dos acontecimentos que estão a moldar o nosso mundo, juntamente com as mudanças climáticas, a globalização e as mudanças demográficas. «A digitalização, em si, não é propriamente boa nem necessariamente má para atingir as metas climáticas. Depende do que fazemos com ela. Novos processos de informação podem promover transparência, por exemplo, sobre a pegada ecológica dos produtos. No entanto, essa mudança só ocorrerá em toda a sua extensão quando as tecnologias forem integradas na sociedade de forma natural, nos procedimentos organizacionais, nos processos de trabalho, no comportamento humano, nos modelos de negócios e na acção política», acrescentou Miguel Fernandes, professor universitário e consultor na área das políticas ambientais.
Para este especialista, de resto alinhado com as consultoras, a descarbonização e a digitalização são megatendências que irão forçar sectores e indústrias a passar por mudanças estruturais e alterar fundamentalmente os modelos de negócio tradicionais. «São necessários novos modelos de negócios que coloquem a sustentabilidade no centro das actividades empresariais: já não se trata de uma estratégia económica que funcione na perspectiva da sustentabilidade, mas sim de uma estratégia de sustentabilidade que funcione do ponto de vista económico».
Para Miguel Fernandes, a transformação para um modelo de negócio de ‘baixo carbono’ deve, portanto, tornar-se uma pedra angular importante na estratégia de cada empresa. Para implementar essa mudança de direcção, além da cooperação intersectorial entre as empresas, é necessária uma estratégia climática, metas mensuráveis, planos de acção claramente definidos e relatórios que avaliem a eficácia das medidas.
Neutralidade Climática até 2050
Convém relembrar que a União Europeia visa um impacto neutro no clima até 2050 – uma economia com zero emissões líquidas de gases com efeito de estufa. Este objectivo é um elemento central do Pacto Ecológico Europeu e está em consonância com o compromisso assumido pela UE no plano da acção climática a nível mundial, no quadro do Acordo de Paris.
«A transição para uma sociedade com impacto neutro no clima representa simultaneamente um desafio que urge vencer e uma oportunidade para construir um futuro melhor para todos», esclarece a União Europeia. «Toda a sociedade e todos os sectores económicos terão um papel a desempenhar – do sector energético ao sector industrial, passando pelos sectores da mobilidade, construção, agricultura e florestas. A UE pode liderar o processo investindo em soluções tecnológicas realistas, na capacitação dos cidadãos e na coordenação da acção em domínios fundamentais como a política industrial, o financiamento ou a investigação, assegurando simultaneamente a justiça social para uma transição justa».
João Galamba, secretário de Estado da Energia, defendeu num debate recente sobre o impacto da digitalização e da descarbonização nas infra-estruturas, organizado pelo jornal Expresso, que vivemos hoje uma revolução no nosso sistema energético que não se fará sem o forte contributo da tecnologia e, em particular, da digitalização. «Partimos de um modelo no qual a generalidade dos consumidores de electricidade era passiva, era algo que chegava às nossas casas, às nossas empresas. Com a produção descentralizada e penetração de renováveis, cada vez mais as empresas, cidadãos e a comunidade serão consumidores mas também produtores, o que coloca enormes desafios ao nosso sistema energético».
Desafios que no entender do secretário de Estado não seriam possíveis de lidar sem a componente tecnológica. «Vivemos aqui um momento extraordinário, disruptivo e de transformação acelerada. Apesar de todas as dificuldades e desafios, só podemos encarar o futuro com optimismo. Vai ser uma década muito interessante nesta área e na relação entre tecnologia e energia».