Reportagem

Empresas digitalizam processos de recrutamento durante a pandemia

A pandemia de COVID-19 trouxe muitas mudanças às organizações e os processos de recrutamento não foram alheios a estas alterações. Os métodos passaram a ser digitais e muitos deles vão manter-se no futuro, mas o factor humano continua a ser essencial.

rawpixel.com / Freepik

O mercado de trabalho nas TI sempre foi muito dinâmico em virtude da escassez de profissionais que se verifica não só em Portugal, mas também no mundo. Esta leva a uma grande concorrência entre empresas e a um mercado «liderado pelo candidato», diz Victor Pessanha, head of Hays Experts.

O responsável da empresa de gestão de talento refere que no actual contexto há «uma certa instabilidade no mercado, contudo, essa realidade não se verifica, por enquanto, na área de TI. Isto porque «temas como a transformação digital, que eram importantes para as organizações antes da COVID-19, são agora ainda mais relevantes agora». Além disso, o teletrabalho traz «desafios de TI cada vez mais exigentes, e por consequência, uma procura por profissionais altamente qualificados».

A experiência da Landing.Jobs revela uma realidade um pouco diferente, mas apenas durante o confinamento e estado de emergência. A startup salienta que «no período de Março a Maio, cerca de 60% das empresas congelaram temporariamente ou mesmo totalmente as vagas de recrutamento, provocando um efeito de queda de cerca de 80% das vagas totais disponíveis» no site. No entanto, neste momento, a Landing.Jobs estima que «metade desse efeito já se diluiu com a retoma de grandes grupos no sector» e que haverá «uma retoma total a fim de Novembro», esclarece Diogo Alves de Oliveira, managing director da empresa. Até porque como diz, «a necessidade de profissionais nesta área não desapareceu».

Processos passam a ser digitais
Entre os exemplos de empresas nacionais (ou que têm operação em Portugal) que continuaram a recrutar estão a OutSystems, a Natixis (ambas contrataram oitenta profissionais), a Noesis, que contratou setenta colaboradores, ou a Glintt que reconhece que «abrandou um pouco a contratação para perceber como iria reagir o mercado a esta crise», mas que recrutou 25 colaboradores, como revela Inês Viana Pinto, HR business partner da empresa. Estas organizações tiveram de se adaptar à nova realidade e ao “novo normal” e modificar os seus processos, quer de recrutamento, quer de onboarding, e digitalizam os seus processos.

Maurício Marques, director de recursos humanos da Natixis em Portugal, explica que a pandemia não afectou os planos de contratação, mas apenas os métodos: «Não houve qualquer alteração aos nossos planos de crescimento, tivemos de nos adaptar aos vários momentos da pandemia e por isso, desde cedo, começámos a privilegiar as entrevistas através de meios digitais».

Assim, a empresa criou um programa de recrutamento designado ‘Purple Scan’ em que adaptou «o processo que estava a ser desenvolvido num formato presencial a uma realidade com recurso somente a suportes digitais. Desde a divulgação das posições, à interação com os possíveis candidatos, às candidaturas e à avaliação, incluindo dinâmicas de grupo e entrevistas por pessoas de Nova Iorque a Paris, tudo foi transformado para ser feito à distância, de forma virtual e com o mesmo nível de engagement». O sucesso foi tal que, em Julho, voltou a repetir o programa.

Diogo Alves de Oliveira salienta que o facto do método da Landing.Jobs ser maioritariamente digital fez com que as «empresas começassem a utilizar ainda mais o seu software de HR Tech para colmatar a ausência do processo offline» até porque além da «atracção e avaliação de candidatos», também permite gerir «todos os processos de recrutamento com ferramentas colaborativas onde há partilha de informação sobre o candidato de forma escrita e devidamente documentada».

Um onboarding diferente
No processo de onboarding na Natixis «foi sempre uma prioridade que os recém-contratados se sentissem parte da equipa desde o primeiro dia» e para implementarem «uma espécie de programa de mentoria, em que um colaborador mais experiente fica disponível para apoiar o recém-chegado nos seus desafios profissionais, mas também pessoais».

Já na Glintt, Inês Viana Pinto explica como a empresa está a enfrentar o processo de receber novos colaboradores: «Mantivemos o nosso programa de onboarding fazendo apenas alguns ajustes. Por norma, começa logo no momento em que o candidato aceita a proposta da Glintt e aqui é essencial que haja uma comunicação transparente, ainda mais nesta fase de pandemia que vivemos».

Na OutSystems todos os processos de recrutamento e integração de novos colaboradores foram repensados e alterados, para que «decorram com a agilidade que o negócio precisa», refere Alexandra Monteiro, VP people da OutSystems. Mas como as «equipas distribuídas fazem parte da história» da empresa e com «muitos colaboradores a terem sido contratados no pressuposto de trabalharem a partir de casa», a mudança foi rápida, diz: «Quando a pandemia chegou rapidamente conseguimos dar escala ao processo de recrutamento e onboarding».

Importância da cultura da empresa
Na OutSystems, uma das preocupações foi fazer com que «todos os recém-chegados se sintam parte da família e integrados na cultura da empresa». A responsável diz a ausência de um processo de recrutamento presencial «foi difícil para alguns líderes» pelo facto de «não conhecerem pessoalmente os candidatos», mas que os novos métodos foram «eficazes».

Maurício Marques, da Natixis, destaca a forma como apesar das mudanças, a cultura é a mesma: «Adaptámo-nos ao contexto, mas mantivemos a nossa essência e a cultura de empresa. Acreditamos que é esta energia que nos diferencia e é esse o espírito que queremos passar a todos aqueles que acabam de chegar».

Já Teresa Lopes Gândara, human capital director da Noesis, refere que o que mudou, essencialmente, foi a forma como se desempenham as actividades que «passaram do presencial para o remoto», mas que os processos são os mesmos. Além disso, acredita que, no recrutamento, há «uma nova realidade» e que «não voltaremos onde estávamos». A empresa apostou «no reforço da comunicação, em actividades participativas dos colaboradores, quer lúdicas, quer de caracter técnico» para «garantir proximidade apesar da distância». A cultura organizacional é também um ponto referido pela responsável da Glintt: «Difundir a cultura passa muito por vivê-la e é um desafio fazê-lo remotamente». Assim, para ultrapassar isso a empresa reforçou «a comunicação interna» e criou «mais acções onde seja possível a interação entre pessoas».