O decreto-lei 87/2018 de 31 de Outubro veio obrigar a que a IES passe a ser pré-preenchida através do ficheiro SAF-T (Standard Audit File for Tax purposes) de contabilidade extraído automaticamente pelo ERP das empresas, que até hoje era apenas solicitado em sede de inspecção. Ou seja, a Autoridade Tributária (AT) vai ter acesso regular à informação extraída dos sistemas informáticos de contabilidade e 2019 vai ser o ano de todas as mudanças.
Nuno Figueiredo, board member da Ábaco, admite que esta obrigatoriedade vem transformar profundamente o formato de reporte da informação contabilista das empresas, não só pela sua automatização a partir do sistema, mas também pelo detalhe rico de informações que constam no SAF-T de contabilidade e que passa a ser reportado obrigatoriamente para a Autoridade Tributária (AT). «Trata-se de um processo mais trabalhoso inicialmente, mas que traz eficiências e utilizações muito interessantes às empresas no médio e longo prazo», disse. O responsável acha que o SAF-T não deverá ser encarado pelas empresas somente como «um mero processo de reporte», mas também como «uma alavanca potenciadora da automatização de processos internos, da adopção de analytics e do incremento do nível de controlo interno».
O SAF-T (PT) é obrigatório desde 2008 e, apesar de ter sofrido algumas evoluções, na componente relativa à contabilidade as alterações foram pouco relevantes. A alteração que mereceu maior relevo foi mesmo a introdução das taxonomias, que se encontram em vigor desde 1 de Janeiro de 2017 e que visa precisamente criar as condições necessárias para o pré-preenchimento da IES, nomeadamente os anexos A e I.
Fonte de informação
São várias as “vozes” que se levantam a defender que os contribuintes deverão abordar este tema como uma oportunidade e analisar, tratar e utilizar a informação constante do SAF-T em prol do seu negócio. E dizem que o SAF-T pode, e deve, ser encarado como uma fonte de informação para a gestão, e não apenas como uma obrigação de cumprimento contabilístico e fiscal. De resto, a visão da Ábaco vai mais ou menos neste sentido.
Para esta consultora, o grande desafio e esforço é ajudar os clientes a garantir a integridade dos seus dados no lado ERP SAP, mas também no lado da validação e antecipação de eventuais erros no ficheiro SAF-T. «A mais recente parceira da Ábaco é o software Col.bi do fabricante Petapilot, que vem, exactamente, permitir uma maior vigilância sobre toda a informação que as organizações reportam. Foi uma necessidade que sentimos do lado dos clientes, e para a qual não tínhamos uma oferta direccionada».
A cloud veio agilizar processos
Claramente, a cloud é um grande catalisador para todo este processo. A capacidade computacional aliada ao acesso descentralizado vem permitir que a Autoridade Tributária passe a ter quase toda a informação necessária de todas as organizações, cruzando esses dados entre si e detectando eventuais situações que necessitam de análise posterior. «Havendo esta capacidade, foi necessário criar a obrigatoriedade do envio de cada vez mais informação por parte dos grupos empresariais», disse Nuno Figueiredo.
Questionado sobre se os clientes estão, neste momento, particularmente preocupados com a segurança dos seus dados, o responsável diz que mais do que a segurança, é a integridade da informação que os apoquenta. «Como agora têm a obrigatoriedade de enviar alguma informação (em formato Xml) para a AT, a preocupação neste momento estará mais na garantia de integridade da informação enviada e qual o seu tratamento, do que propriamente com a segurança».
Contabilistas acusam Estado
No entanto, do “outro lado”, a Associação Nacional de Contabilistas acusa o Estado de querer tomar posse das bases de dados de contabilidade de empresas e particulares. A associação tem uma petição online – no dia em que escrevemos esta reportagem contava com 11 727 assinaturas – para levar aos deputados um pedido de revogação deste decreto-lei, que permite à AT conhecer informação detalhada da vida dos contribuintes.
A associação diz que o decreto-lei foi publicado à margem do Parlamento. «Através das bases de dados de contabilidade de empresas, empresários em nome individual e, em princípio, também dos bancos e das seguradoras, o Estado vai ter toda, toda, toda a informação financeira de todos nós. E até muito das nossas relações económicas e sociais», disse Vítor Vicente, presidente da Associação Nacional de Contabilistas, em declarações à Renascença. «Se o Estado ficar com estas bases de dados todas, passará a ter acesso a toda a movimentação bancária de todas as pessoas e todos os movimentos neste país». Na petição, expressa-se a preocupação de o Estado estar a criar um «Big Brother para toda a sociedade portuguesa». «O acesso do Estado a estas bases de dados viola seguramente liberdades, direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos em matéria de privacidade, do RGPD [Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados], do sigilo bancário, de muitos outros interesses relevantes e até da propriedade privada das pessoas e das empresas».
Os prazos previstos na lei
As medidas de simplificação da IES serão objecto de uma implementação faseada. Numa primeira fase, a entrega da IES, com a prévia submissão do ficheiro SAF-T (PT) relativo à contabilidade, passa a ser possível já a partir de Novembro [de 2018], relativamente ao segundo semestre de 2018, por parte dos sujeitos passivos obrigados à sua entrega neste período, se a declaração respeitar àquele mesmo exercício.
Numa segunda fase, as medidas de simplificação da IES deverão reflectir-se na declaração de 2018, a entregar em 2019. Em ambas as situações, fica assegurado o pré-preenchimento dos anexos A e I através dos dados extraídos do referido ficheiro SAF-T (PT). Numa terceira fase, as medidas de simplificação da IES serão igualmente estendidas a outros anexos da declaração.