Entrevista

«A inovação depende, sobretudo, das pessoas»

Roberto Verganti é, há vários anos, professor de inovação e liderança tendo estado ligado a algumas das mais importantes universidades de mundo como a Harvard Business School.

Actualmente, além do Politecnico di Milano, o docente lidera o Leadin’Lab, um laboratório dedicado ao design e inovação e faz parte conselho europeu de líderes na concepção (European Design Leadership Board) onde é conselheiro do Comissário Europeu da Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas. Além disso, é autor de dois livros sobre inovação: Design-Driven Innovation e Overcrowded. Designing Meaningful Products in a World Awash with Ideas.

Nos seus livros e palestras refere que ‘inovação’ não é sinónimo de ‘tecnologia’. Pode explicar por quê?

No passado, pensávamos que a inovação e a tecnologia estavam sempre sobrepostas. O primeiro pressuposto era o de que a inovação era sempre feita através da tecnologia e o segundo é o de que sempre que se usava tecnologia, esta criava inovação. Agora, o pensamento é que estas componentes estão separadas. A tecnologia continua a ser um dos fios-condutores e é muito importante para a inovação, mas pode não ser necessariamente a única que faz inovação. E, hoje em dia, o que está a começar a mudar é que nem toda a inovação cria valor. Neste momento, é fácil ter ideias, mas nem todas criam valor em termos de negócio e nem todas as ideias que criam valor têm importância, relevância para as pessoas. Assim, criar inovação é fácil, mas fazer a ligação à criação de valor é difícil. É necessário uma liderança forte que entenda esta relação, até porque a inovação pode criar valor para o negócio, mas não um bom impacto na sociedade. Um fantástico exemplo de como a inovação e a tecnologia podem não ser boas para as pessoas é a série Black Mirror.

Num mundo cheio de ideias como é que as empresas podem perceber qual é que vai ser a aquela que vai criar inovação?

Quando trabalho com organizações tento sempre pedir que façam brainstormings para gerar ideias. E dessas trinta que surgem, procurem as melhores, as que têm potencial. No início de um processo nenhuma ideia é boa, é preciso trabalhá-la. Vejam o exemplo da Amazon, que começou a vender livros e, hoje, além de ser um gigante do e-commerce, é também uma das empresas mais bem-sucedidas de serviços de cloud. Às vezes não é só uma ideia, é também uma pessoa muito motivada com visão que ajusta o seu propósito.

Então, para inovar, as pessoas são mais importantes que o processo?

A inovação é sempre um processo. No entanto, depende, sobretudo, das pessoas. Pela minha experiência, os indivíduos podem fazer a diferença na inovação já que numa empresa, o processo pode estar completamente errado; mas se existir uma pessoa muito motivada, isso pode fazer a diferença.

No meu livro Overcrowded: Designing Meaningful Products in a World Awash with Ideas falo do exemplo da Xbox. A Microsoft sempre foi uma empresa maioritariamente de software e de repente lançou uma consola de gaming. Isto aconteceu porque um grupo de colaboradores estava aborrecido e decidiu criar algo diferente. Eles não pediram permissão para fazer essa inovação, simplesmente fizeram e, ainda por cima, numa empresa que por si só era considerada inovadora. Este grupo não tinha um processo e isso demonstra como as pessoas são importantes. E quando Bill Gates decidiu que queria alguma coisa nova na Microsoft, eles apresentaram a ideia e, como já a tinham debatido, tanto souberam responder a todas as dúvidas. Este grupo já não tinha uma ideia, tinha uma visão.

Muitas pessoas dizem-me que os chefes não estão abertos a novas ideias e talvez até tenham razão. Num mundo inundado por ideias, é preciso insistir e estar motivado para continuar até conseguir provar que aquela é realmente boa e pode ser inovadora.

O que quer dizer com criar inovação relevante para as pessoas?

A inovação tem de fazer coisas melhores ou mais significativas para as pessoas. Desta forma, cria algo que que é melhor e pode ser medido, como um carro que trava melhor ou um smartphone que tem melhor bateria. Isto faz sentido para as pessoas. Mas será que uma vela que dure mais tempo faz sentido hoje em dia? Penso que não. É algo que é melhor, mas não é relevante. A Apple é também um bom exemplo. O primeiro iPhone não era o melhor telemóvel para fazer chamadas e enviar SMS da altura. Aliás era pior que o meu Nokia, mas tinha um intuito completamente diferente e por isso é que ganhou contra a Nokia. Enquanto estes últimos estavam a ligar as pessoas (Connecting People), a Apple estava, como disse o Steve Jobs, a colocar a nossa vida no nosso bolso.

Eu sou engenheiro de formação e tipicamente, os engenheiros, são treinados para fazer tudo melhor e não a questionar se o problema que estão a resolver faz sentido. Temos uma cultura na qual acreditamos que fazer as coisas melhor cria sempre valor, o que não é verdade. Assim, temos de mudar isso.

Nas suas apresentações diz que a abordagem à inovação deve ser feita de dentro para fora. Como é que isso se pode fazer?

O Politécnico é uma universidade técnica e, por isso, a nossa investigação é feita dentro das empresas. Nos últimos dez anos temos feito projectos no mundo inteiro e trabalhado com companhias B2B, B2C, ONG e até com uma igreja na Suécia: todas elas usam uma abordagem de dentro para fora. Não é algo muito complicado, é apenas perceber que a resposta vem sempre de nós e saber o que podemos dar ao mundo para que este seja melhor.

Mas num mundo em que o sucesso das empresas está intimamente ligado ao valor que produzem, isso não é complicado?

Sim, pode ser. Primeiro temos de começar nas escolas e é por isso que adoro dar aulas na universidade, especialmente a estudantes de gestão de empresas. Se começarmos a incutir que o objectivo não é só criar valor económico, mas sim algo com significado e que, ao criarem coisas relevantes, o dinheiro virá por consequência, isso irá fazer com tenham foco em criar um mundo melhor.

Além disso, os media devem começar a contar outras histórias. Hoje, a narrativa é virada para os empreendedores que criaram unicórnios (empresas que valem mil milhões de dólares). Isto transmite uma mensagem de que só se é bom se se souber fazer muito dinheiro. Na comunicação social, assim como nas escolas, temos de começar a falar dos exemplos das empresas que fazem coisas significativas, como remover os plásticos dos oceanos. Se mudarmos a narrativa, os jovens vão ter outros heróis e a pensar de forma diferente.

No entanto, nas empresas isso é mais difícil. Normalmente, nas minhas palestras, há 20% dos participantes que pensam que eu sou maluco, mas 5% pensam «era mesmo disto que eu estava à espera. Se um professor universitário diz isto, é por que está certo e eu não sou louco».
Se esse grupo de pessoas se sentir capacitada para chegar às suas empresas e começar a pesquisar e demonstrar como podem inovar de forma diferente, podem começar a mudar mentalidades. As minhas investigações demonstram que as empresas que baseiam os seus produtos em algo significativo são extramente rentáveis. É o caso da Nest: faz termostatos inteligentes, foi fundada por dois ex-trabalhadores da Apple e vale 2,8 mil milhões de euros; ou, então, da própria Apple. Assim ter como foco a relevância não é esquecer a parte económica. Se formos motivados por criar coisas que as pessoas adoram, a parte financeira é uma consequência.

Como é trabalhar com o comissário Carlos Moedas?

É muito bom. Normalmente estamos habituados a que os políticos não ouvem, mas neste caso é o contrário. O comissário realmente ouve o que dizemos, ouve as nossas ideias.

Se conseguisse colocar a suas ideias num único conselho para os líderes que querem criar inovação, qual é que seria?

Pensem nas coisas da mesma forma que pensam quando dão um presente. Quando se tem esse tipo de pensamento, começamos a pensar de dentro para fora, habituamo-nos a ouvir e a pensar no significado.