Há demasiadas microempresas em Portugal, diz José Pedro Salas Pires, presidente da ANETIE. Assim como há demasiadas associações para representar o sector das Tecnologias da Informação e Comunicação. ‘Consolidar’ foi a palavra que Salas Pires mais disse em entrevista à businessIT.
A Associação Nacional das Empresas das Tecnologias de Informação e Electrónica nasceu em 1994, numa altura em que o mundo das TI era radicalmente diferente. Hoje, como é que define o sector?
Antigamente, as fronteiras estavam bem definidas: TI, comunicações e electrónica. Hoje, não é bem assim, porque as TI e as comunicações estão completamente integradas. As TIC são uma realidade e as empresas oferecem, sobretudo, soluções.
A electrónica agora movimenta-se nos extremos: ou no consumo, com equipamentos, ou como suporte por exemplo à indústria da Internet das Coisas. A electrónica do hardware convencional passou a ser uma commodity. As empresas têm cada vez mais arquitecturas híbridas em que uma parte está fisicamente nas suas instalações e outra parte na nuvem.
Porque é que a ANETIE que não deixou cair o ‘E’ na sua denominação? Não acha que transmitiria ao mercado uma sensação de evolução, de adaptação ao mercado?
Eu vou mais longe – e contra mim falo. Eu acho que a ANETIE até se devia fundir com outras associações. Porque, se calhar, hoje, esta associação pode nem sequer fazer sentido do ponto de vista temporal. Talvez fizesse mais sentido comunicar ao País uma associação das TIC.
Está a falar em reinventar a ANETIE?
Mais que reinventar a ANETIE estou a falar em reinventar o próprio sector. Devíamos pensar na associação das associações, numa única estrutura associativa que represente de uma forma transversal o sector das tecnologias de informação e comunicação.
Mas pelo exemplo que temos de outros sectores é um pouco complicado isso acontecer, ou não?
É preciso que haja vontade e que as pessoas abdiquem do seu ego. Aqui, também o ‘E’ de ‘ego’ tem de sair. Muitas associações existem porque há egos a manter, dos presidentes, das comissões… temos de colocar a indústria e o País à frente dos interesses pessoais. Pessoalmente, estou empenhado nessa missão de fusão.
Na prática, como demonstra esse empenho?
Estou a trabalhar com o Ministério dos Negócios Estrangeiros e com o Ministério da Economia, porque eles próprios precisam de um interlocutor. Senão, um dia, vão estar a falar com a APRITEL, outro dia com a APDC, com ANETIE, com a TIC.PT… quem fala? Quem representa o sector? Quem é a voz? Acho que esse é o nosso primeiro trabalho. E acho que devemos fazê-lo debaixo da tutela do próprio Ministério da Economia.
De qualquer forma, antes desta lógica associativa, a ANETIE tenta distinguir-se das demais ao trabalhar a vertente da internacionalização. Tentamos ser a plataforma de internacionalização das empresas portuguesas, seja das pequenas e médias estrutura, seja das de maior dimensão.
Estamos a falar em organizar presenças conjuntas em feiras?
Há duas formas. Primeiro, usando o networking em termos de associações TIC internacionais. Podemos colocar os nossos associados em contacto com mercados que eles identifiquem como alvo, seja o Médio Oriente, a América do Sul ou Norte. Ou seja, fazemos a ponte. Trabalhamos também com AICEP e com as embaixadas locais para identificar potenciais clientes e oportunidades de negócio. Uma segunda forma são as tais presenças em feiras.
Missões empresariais?
Sim, mas com clientes e parceiros identificados, numa lógica de B2B. Mas também é necessário fazer um trabalho mais institucional, numa lógica de valorizar Portugal. Já temos uma marca, a LoginPT, que é uma forma das pessoas se ligarem ao País, um trabalho que tem vindo nos últimos anos a ficar mais simplificado já que temos cada vez mais visibilidade, não só do ponto de vista turístico como cultural e empresarial. Exemplo disso é que as grandes empresas já cá estão.
Então, agora, qual é o objectivo?
É que deixem de olhar para nós como plataformas de nearshoring e mão-de-obra barata e que comecem a olhar para Portugal como um centro de excelência, de criação de valor e de desenvolvimento de produto.
Portugal tem capacidade para reter os talentos necessários para tudo isso? De todos os lados – analistas, consultoras e das próprias empresas – chegam-nos informações de que há escassez de recursos humanos nesta área.
Temos, primeiro, um problema demográfico. Nasceram 87 mil crianças em 2018, um valor muito baixo. Depois, estamos a competir com as multinacionais, com marcas muito atractivas e com salários ligeiramente acima da média, a criar uma “guerra” pelo escasso recurso que é a competência. Temos competência em Portugal, o que estamos é numa guerra desigual com as multinacionais.
Como é que isso se combate? Ou melhor, qual o papel que a ANETIE quer ter nesta “guerra”?
O nosso papel tem a ver sobretudo com a educação do tecido empresarial. A nossa indústria tem de se reinventar, não podem haver microempresas nas áreas das TI. Temos de pensar em trabalhar numa lógica colaborativa.
Pela sua experiência – pessoal e associativa – como é que marca Portugal é vista, internacionalmente, no sector das TI?
É claramente vista como uma marca de excelência. Mas, infelizmente, pelas piores razões. No final de 2008, no período pós-crise, praticamente metade dos alunos que saiam das faculdades começaram a exportar-se, porque não quero usar a palavra emigrar. Amigo traz amigo e criaram-se networks na Bélgica, no Luxemburgo, na Suíça, em França, em Inglaterra, na Alemanha com jovens licenciados, produtos das nossas faculdades. Foram esses jovens formados na última década que colocaram Portugal na rota das TI.
É aceitável que se use a “arma” de sermos um País com sol, preço por metro quadrado ainda aceitável e salários abaixo dos restantes países europeus?
Não! É um tiro nos pés. Quando incitamos os nossos jovens licenciados a emigrarem foi exactamente outro tiro nos pés. Porque resolvemos o problema da taxa de desemprego, colocamos Portugal como tendo universidades de excelência, mas agora as empresas de nearshore não trazem valor para Portugal.
Portugal ainda é visto como um call-center?
É verdade que essa era uma realidade, mas, felizmente ,essa visão está a desaparecer. As novas gerações estão à procura de mais que estarem num call center. Não gostam, vão embora. Eles é que são os corajosos, eles é que são os heróis da mudança. Agora, se forem trabalhar para uma Fujitsu, Nokia, Bosch, GMV a desenvolver produtos, aí já estamos a falar de outro nível. Algures no tempo – e vai ser muito rápido, dois ou três anos – vai haver uma separação entre as empresas que vêm a Portugal para desenvolver competências e trazer valor acrescentado e as que vêm à procura do preço de metro quadrado. Essas vão “morrer” porque os jovens não querem lá trabalhar.
Quais são então os grandes desafios deste sector em Portugal? Já falamos na retenção dos talentos, da luta com as grandes marcas e a fragmentação do tecido empresarial.
E esse será o maior desafio. Temos demasiadas microempresas. Tem de haver uma mudança de espírito, de atitude. Temos de deixar de ser patrões nas nossas microempresas para começarmos a pensar antes em termos apenas 5% ou mesmo 2% de uma grande empresa que facture milhões ou centenas de milhões. Há que pensar o sector numa lógica de consolidação. Se não houver esta consolidação, muitas empresas não vão ter capacidade para continuar a manter a sua actividade precisamente porque não vão conseguir reter nem contratar talentos. O mercado está a esmagar as margens e isso não permite às empresas mais pequenas ter custos elevados, algo que só se consegue resolver com economias de escala.
Que se criam como?
Juntando-se em centros de competências, apostando em sectores como o automóvel, a aeronáutica, as smart cities. Não quero muito usar o termo ‘cluster’, mas digamos que têm de apostar nos tais centros de competências verticalizados ganhando economia de escala. Esse é um enorme desafio empresarial para este sector.
Na prática, como é que a ANETIE ajuda a que isto aconteça?
Tentamos levar as empresas para fora, para mercados concretos. Vou-lhe dar um exemplo. Estamos a tentar montar uma missão com o Egipto. Um país que está numa fase de desenvolvimento e que criou um novo canal de Suez, à volta do qual está a criar novas cidades, novos centros de agricultura, de produção de energia… e nós temos competência em todas essas áreas.
A missão pretende levar por exemplo uma EDP, uma Compta que ganhou um prémio relacionado com as Smart Cities, ou a MEO que sabe desenvolver redes de fibras ópticas, mas também levar uma DST que é um multioperador… E com estes grandes nomes, levar pequenas empresas. Ou seja, queremos levar empresas que em Portugal até são concorrentes mas que têm competência para juntas trabalharem em mercados específicos. Vamos trabalhar com factos, geografias e clientes concretos.
Isso vai mexer com a cultura empresarial portuguesa…
Mas esse é o problema, apesar de não ser só das TI. Acontece o mesmo na agricultura e em muitas outras indústrias. É um problema português, não é das TIC. Portugal tem de evoluir, não podemos ser tão fragmentados.
Que feedback tem tido por parte das empresas que aborda?
Desconfiança. É complicado partilhar. Estamos habituados a sermos navegadores solitários, sabemos descobrir novas geografias mas depois temos imensa dificuldade em conquistá-las porque para isso é preciso união, escala e uma armada. Sou um optimista e acho que quem nos vai ajudar a fazer isso sãos os jovens, porque eles nasceram digitais e na multiculturalidade. Estudaram nas universidades europeias, estão a tirar mestrados nos Estados Unidos e na América do Sul. São globais. E não querem trabalhar doze horas por dia «porque isso é que é trabalhar» ou estar na mesma empresa vinte anos «porque isso é que é estabilidade».
Como é que gostava que daqui a cinco anos a ANETIE fosse reconhecida?
Gostaria que a ANETIE já não existisse e que tivesse sido o embrião da mudança e da reorganização do sector.