A KLx é o campus tecnológico do Crédit Agricole em Portugal, onde 750 profissionais desenvolvem soluções para todas as empresas do grupo. Luís Ribeiro, chief technology officer, diz à businessIT que a empresa está a apostar numa cultura DevOps e a usar IA para ajudar os programadores a serem mais produtivos.
Como é surgiu a Klx e como se apresenta a empresa?
A KLx é uma empresa grupo Crédit Agricole, que começou por volta de 2018 integrada na Accenture. Em 2020, tornámos-nos independentes e a empresa foi oficialmente fundada. A KLx foi criada para ser a fonte tecnológica que ajuda o resto do grupo e é nesse princípio que temos trabalhado até hoje. Tem havido bastantes pedidos do grupo e, felizmente, estamos a evoluir e a crescer de uma forma muito forte. Fomos criados pelo grupo, somos detidos a 100% pelo grupo e trabalhamos a 100% para o grupo.
Têm acompanhado a transformação digital do grupo, do sector financeiro e dos seguros. Quais são os vossos principais focos tecnológicos?
Neste momento, temos dois grandes: um é o DevOps e outro são os dados para a inteligência artificial. Temos um grupo bastante grande de pessoas que trabalha no desenvolvimento de software, puro e duro; agora estamos no caminho de aplicar as práticas de DevOps ao desenvolvimento e de nos focarmos também na área de IA com a parte de análise e tratamento de dados.
Quais são as apostas da KLx no campo da IA? De que forma estão a integrar essa tecnologia na empresa?
Estamos focados na melhoria da actividade de desenvolvimento, ou seja, que tipo de processos, de práticas e de apoio podemos dar aos nossos developers para produzirem com muito mais qualidade, serem muito mais produtivos para ganharem conhecimentos e, assim, poderem responder em diversas áreas.
E na área de DevOps, o que estão a fazer em concreto?
Estamos a apostar bastante na cultura DevOps e a passar a ideia de que estas são práticas de desenvolvimento que põem as várias equipas juntas e com as quais conseguimos fazer, do princípio ao fim, o desenvolvimento de aplicações, desde a conceptualização, à operação, passando pelo desenvolvimento e pela manutenção. A ideia é mesmo passar esta cultura e depois dotar as pessoas de práticas, tecnologias, frameworks e ferramentas que permitam fazer este trabalho da forma mais rápida, eficiente e proveitosa possível. Já definimos a nossa visão de DevOps e estamos a passá-la a toda a empresa; estamos, também, a formar toda a empresa, não só na cultura, mas também nas próprias ferramentas. Estamos a dotá-las também com o conhecimento necessário, para que saibam exactamente o que queremos delas e para serem o melhor possível, na sua profissão.
Actuam num sector extremamente regulado. Como é que equilibram a inovação com a agilidade, escalabilidade e a segurança?
Usamos uma abordagem relativamente comum e de que cada vez mais se fala: ‘shift left’. Por exemplo, na segurança, queremos que as pessoas à medida que começam o desenvolvimento, se foquem nisso, para que a segurança esteja na base da construção. Nos processos tradicionais, os developers fazem a aplicação. Depois, no meio e no fim, fazem os pentests para ver se cumprem. Se não cumprirem, têm de voltar atrás, corrigir isto ou aquilo. A ideia, aqui, é não fazer dessa forma, mas sim ‘shift left’, ou seja, logo de início pensar exactamente como é que temos de desenvolver a aplicação para que, de base, já se concentre na segurança. Quando os developers fazem o desenvolvimento, já sabem ou já têm bem consciente os problemas que podem surgir quando a aplicação estiver em produção. E assim, por exemplo, se acontecer um erro às três ou quatro da manhã, alguém consegue ver o que é necessário corrigir e pôr imediatamente em produção.
Como é que vêem a questão da falta de talento nas TI?
Este tema é, obviamente, muito importante para todas as empresas de TI e para o desenvolvimento de software, em particular. A forma como estamos a lidar com isso, obviamente, é a contratar – precisamos de mais talento, mais pessoas, mais conhecimento, mas também estamos a fazer um esforço grande para formar as pessoas aqui dentro.
Lançámos, recentemente, os learning paths, que, por acaso, foram uma responsabilidade minha. Desenvolvemos um conjunto de formações e certificações para quem já está cá e opte por seguir uma determinada carreira, por exemplo como DevOps engineering, DevOps expert, inteligência artificial, IA generativa, machine learning e outros. Estes learning paths vão formar essa pessoa para que possa ser o apoio para o nosso futuro.
Além da formação, também temos comunidades de práticas dentro da empresa, em que regularmente são debatidos e apresentados tópicos, dos mais diversos assuntos em seis domínios, como inteligência artificial e dados, software engineering, mainframe, testes e agile. Também fazemos talks, apresentações, flirts (mais focados em discutir temas em que alguém tem uma dificuldade) e workshops. Existe ainda um grupo de apoio mútuo, em que se alguém tem um determinado problema, faz um post no Teams e, em questão de horas ou dias, as pessoas juntam-se à volta desse tópico e dão conta da necessidade que existir.
Então há uma cultura ligada à colaboração e à aprendizagem contínua?
Exactamente. A questão é que a tecnologia evolui rapidamente e, mesmo para as pessoas que trabalham neste mundo, é muito difícil conseguirem acompanhar. Só tendo uma comunidade à volta é que vamos conseguir ter apoio suficiente para que as pessoas fiquem ao corrente daquilo que está a acontecer: é humanamente impossível a uma só pessoa saber tudo. Portanto, só com uma comunidade e formação, com este tipo de apoio a vários níveis, é que as pessoas conseguem, de facto, melhorar e crescerem no seu trabalho.
Falou de uma comunidade ligada ao mainframe. Ainda se trabalham muito mainframes no sector bancário. Como é que estão a tentar modernizar este aspecto da infraestrutura e das aplicações?
Por um lado, estamos a fazer a manutenção evolutiva de muitas das aplicações e, por outro, a pensar como é que conseguimos optimizar o tempo dos developers, para que consigamos ter não só o desenvolvimento, mas também o onboarding mais rápido.
E é óbvio que estão a acontecer migrações em toda a banca e todas as grandes empresas que usam COBOL. Assim, estamos a tentar também perceber como é que conseguimos ajudar e apoiar na questão das migrações de COBOL para linguagens mais recentes. Neste momento, temos projectos a ser desenvolvidos e estamos a fazer inovação ao nível do state of the art do que se consegue agora, além de estudar as técnicas de inteligência artificial mais recentes. Por exemplo, o DeepSeek, que tem uma abordagem arquitectural baseada em multi-agentes. Na KLx, usamos um conceito multi-agentes para tentar fazer esse trabalho.
É possível partilhar algum projecto inovador que tenham feito ou estejam a desenvolver na KLx?
Temos centenas de projectos que estão a ser feitos ou já foram feitos. Num destes, estamos a tentar optimizar o processo de testes em que agarramos no conceito, no documento de requisitos (chamamos-lhe ‘caderno de encargos’) e geramos vários passos dentro do processo como test cases, código ou user stories, para conseguir ganhar bastante tempo neste trabalho que, muitas das vezes é, repetitivo. Queremos que o ser humano valide o que está a ser feito, e corrija. Em seguida, a IA faz os ajustes e melhora também o passo seguinte, mas a pessoa precisa de validar o resultado, pois com a IA nada é 100% garantido. A IA é, por definição, não-determinística e, portanto, a mesma pergunta que se faz agora, ou amanhã, daqui a uma ou duas, daqui a três ou quatro dias, vai ter respostas diferentes.
Onde é que gostava de ver a KLx daqui a cinco anos?
Existe uma visão na KLx que é a de, até 2026, sermos o principal fornecedor de TI do grupo. O que é que eu vejo daqui a cinco anos? Vejo isto multiplicado por quatro ou cinco, ou seja, o meu objectivo aqui é fazer com que não só a KLx seja o maior fornecedor, mas também seja visto como o fornecedor que realmente sabe do que é que se está a falar. Que quando alguma entidade no grupo tiver um problema que não sabe como é que há-de resolver, venha falar connosco e arranjamos uma solução. O objectivo é, daqui a cinco anos, conseguirmos ser vistos como os experts na área de TI do grupo.
Quais é que acham que vão ser as próximas tendências no sector bancário?
Acho que IA vai, de facto, ter um papel relevante na questão das migrações COBOL porque o que existe neste momento tem um risco enorme, além dos custos. A IA e ferramentas similares vão permitir que esta evolução se torne cada vez mais rápida e não apenas para COBOL. Penso que a IA é um complemento e a parte que faltava dentro da automatização de processos, é incontornável e vai deixar de ser apenas um conjunto de ferramentas de apoio para passar a ser a base dos processos. No fundo é isso que estamos a fazer, processos que se baseiam, não nas pessoas que depois usam IA, mas sim na IA que tem pessoas a supervisionar. É a tendência que vamos ver, a inteligência artificial vai ser o novo normal.