Entrevista

«Estamos a passar de um modelo ‘ERP first’ para ‘MES first’»

Entrevista a Filipa d’Orey, diretora da SCAL.

© Companhia dos Filmes

Com a SCAL, o grupo Saphir aposta numa marca dedicada à implementação de soluções de Manufacturing Execution System – MES. A directora, Filipa d’Orey, sublinha a mudança de paradigma na indústria e o papel estratégico do novo escritório do Porto, neste crescimento.

Como define a SCAL?

A SCAL é uma nova marca que surge dentro do Sapphire Group, dedicando-se exclusivamente à implementação da solução da Critical Manufacturing, um dos maiores players de manufacturing execution system – MES do mundo. No fundo, trabalhamos com os clientes que estão a implementar e, posteriormente, suportamos os ‘rollouts’ desses mesmos clientes, com a solução previamente desenvolvida. Nós temos a capacidade e as ‘skills’ necesssrias para fazer projectos desde a sua fase de design até à sua fase de ‘rollout’, nas mais diversas indústrias.

A abordagem é de integração?

A nossa abordagem não é apenas a integração, fazemos também consultoria. Aliás, temos mais de trezentos consultores. Começamos pela análise do processo, conduzimos workshops e ajudamos os clientes a definir o roadmap para a transformação digital. Fazemos a implementação, configuramos, modelamos e fazemos o deploy do MES, sempre adaptado à realidade de cada cliente. Depois fazemos o suporte e a evolução contínua da solução implementada, incluindo upgrades. Somos reconhecidos pela qualidade e pela experiência que temos nestes serviços, e também pelo nosso trabalho em continuous improvement, ou seja, acompanhamos de forma contínua as soluções dos nossos clientes e ajudamo-los a melhorar a sua produção constantemente.

Em que fase de adopção de sistemas MES está o mercado português?

O mercado português, e diria mesmo o mercado em geral, está a passar por uma mudança. Antes, havia uma dicotomia, uma indecisão entre investir primeiro num ERP ou num MES; tradicionalmente, as empresas optavam por investir primeiro no ERP e só depois no MES, como se o MES fosse uma extensão do ERP. Mas agora está a haver uma inversão clara dessa lógica: estamos a passar de um modelo ‘ERP first’ para um ‘MES first’.

E, no seu entender, o que levou a essa alteração?

O MES dá uma visibilidade em tempo real sobre o shop floor e fornece dados fiáveis e contextuais, que nos permitem tomar decisões informadas. É uma base muito sólida para a aplicação de IA e ‘analytics’. Tem um retorno de investimento muito mais rápido – nem sequer é comparável – e permite conquistas operacionais muito maiores. Permite-nos, por exemplo, fazer a rastreabilidade, reduzir o desperdício, perceber o OEE (overall equipment effectiveness), identificar quais os equipamentos que estão a prejudicar ou a atrasar a produção, ou a aumentar o número de produtos defeituosos. Além disso, integra-se muito facilmente com o ERP. E, muitas vezes, é mais fácil fazer o ERP integrar com o MES já existente do que o contrário.

Essa tendência também se verifica a nível europeu? Portugal está alinhado com os restantes países nessa transição do ERP para o MES?

Sim, está. Portugal está a seguir essa tendência. Na minha perspectiva, o ERP é cego sem um MES, não sabe o que está realmente a acontecer na produção. Só consegue recolher dados no fim do processo, dados que muitas vezes são falíveis. Acho que é por isso que está a acontecer esta mudança. O MES é um instrumento mais robusto e, apesar de maior, o retorno também é mais rápido.

Como se posicionam no ecossistema da Indústria 4.0 – até já se fala na 5.0 – e como tem evoluído a vossa proposta de valor nesse contexto?

Relativamente à SCAL, temos vindo a contribuir de forma muito activa. O facto de trabalharmos com o MES da Critical Manufacturing, que é líder no Gartner, dá-nos uma base muito forte. Internamente, estamos a apostar muito na formação contínua dos nossos colaboradores. Queremos que sejam mais ágeis, que vão além do esperado, que antecipem as necessidades dos clientes. Ou seja, em vez de esperarmos pelos problemas dos nossos clientes, procuramos antecipar as soluções de que eles vão precisar, para que nunca cheguem a ter esses problemas.

O que é que pesou na decisão estratégica de abrir agora este novo escritório no Porto e de que forma este se enquadra na visão de crescimento do grupo?

Neste momento, o escritório do Porto já era o maior do grupo e é onde estão alocadas as duas directoras de negócio: eu, pela SCAL, e a Lídia Capela, pela Sofyne. Além disso, no caso da SCAL, há também uma questão de proximidade com a Critical Manufacturing, estamos praticamente lado a lado. A Critical está na Maia e essa proximidade dá-nos uma vantagem competitiva muito significativa em relação aos nossos concorrentes. O nosso acesso à equipa da Critical, a facilidade de comunicação e a aprendizagem directa que temos com eles são incomparáveis. O investimento em Portugal também se justifica porque os recursos portugueses são reconhecidos como dos melhores nesta área. Por isso, o grupo decidiu apostar num crescimento muito acentuado cá, para expandir as operações a partir daqui.

Em termos de sectores de actividade e mercado-alvo, onde é que estão mais presentes e, sobretudo, que oportunidades vislumbram para crescer a partir de Portugal?

As indústrias onde temos mais experiência, e onde também temos crescido mais, são a indústria automóvel, a tecnológica, a dos cosméticos e a aeronáutica. E queremos crescer mais na chamada ‘general discrete’, ou seja, na ‘produção discreta’, que abrange vários segmentos, e também no sector da electrónica.

Para os próximos tempos, seja ao nível de projectos, parcerias, reforço de equipa ou até da presença institucional, o que é que estão a projectar?

Primeiro, estamos a projectar comunicar muito melhor este crescimento. Acho que ainda não estamos a dar visibilidade suficiente ao crescimento do Grupo Saphir, ou sequer ao que é o Grupo Saphir. Por isso, estamos a fazer um esforço grande para dar a conhecer melhor este crescimento, até porque isso facilita o recrutamento. Quanto mais formos conhecidos, mais fácil será irmos ao mercado enquanto Grupo Saphir, e não apenas como SCAL ou Sofyne.

Queremos marcar presença em mais eventos, participar em feiras e estar mais próximos dos nossos parceiros. No caso da SCAL, a Critical Manufacturing tem essa prática de ir com os parceiros, ao contrário de outras soluções que não o fazem tanto. Portanto, um dos nossos objectivos é começar a estar presentes nesses momentos ao lado da Critical, e não cada um por si.

Falou-me da importância da marca para atrair talento. Hoje, esse é um dos maiores desafios das empresas tecnológicas. Que perfis de profissionais é que procuram normalmente? Qual é a vossa realidade, enquanto SCAL?

A nossa principal dificuldade é reter talento, tendo em conta os concorrentes com que lidamos, muitos dos quais também trabalham com a Critical Manufacturing. A verdade é que vêm buscar os nossos recursos já formados, oferecendo condições que, dentro da nossa realidade portuguesa, não conseguimos igualar. Por isso, estamos a trabalhar para sermos mais competitivos, não só a nível salarial, mas também com outros tipos de benefícios e pacotes de remuneração que vão além do ordenado. Sabemos que, para as novas gerações, já não chega ter apenas um bom salário no final do mês.

Enquanto grupo, qual é a presença dos vossos clientes fora de Portugal?

Temos escritórios aqui em Portugal, no Reino Unido, Suíça, Polónia, França e, agora, com a aquisição da AG Solution, também na Bélgica e nos Estados Unidos. Os nossos clientes estão bastante espalhados, temos presença em toda a Europa, na Ásia, na China e nos EUA. Temos, digamos, um “pezinho” em quase todo o lado, até porque muitos dos nossos clientes têm fábricas dispersas por vários continentes.

Dentro desta geografia, há alguma região que se destaque? Não falo só em volume de facturação, mas também em termos de abordagem ou maturidade na compreensão dos conceitos com que trabalham?

Hoje em dia, acho que já não se nota uma grande diferença. Com o nível de clientes que temos, a necessidade de investir para se manterem up to date é transversal. Claro que, pontualmente, há empresas mais familiares e conservadoras, mas isso é mais a excepção do que a regra.

Em termos de volume de facturação, que geografia tem sido mais relevante?

Neste momento, é a Europa que representa o maior volume de facturação.

Trabalhou mais de quatro anos na Critical e agora assume a marca SCAL. Como tem sido o desafio?

Fui extremamente feliz na Critical, fui responsável por desenvolver o departamento de business development. Foi mesmo difícil sair mas tomei essa decisão para poder abraçar este um novo desafio, e crescer profissionalmente. Quando a Sofyne me convidou, deixei claro desde o início que não faria sentido criar uma unidade de negócio dedicada à Critical se não pudesse ir a mercado. Daí a criação da SCAL, para podermos jogar em campo aberto, ter uma estratégia de marketing e de comunicação própria, impulsionar o crescimento do grupo, dar visibilidade aos projectos que temos, que já são muitos e bons, e desenvolver uma parceria sólida com a Critical, uma parceria que seja pública e apoiada por eles. A Critical tem uma liderança sólida e é com esse suporte que estamos a fazer esta aposta na SCAL, colocando todas as fichas nesta marca, para podermos mostrar tudo o que já fazemos e, sobretudo, tudo o que queremos vir a fazer.

 

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