Reportagem

«A IA nunca vai pensar como os humanos porque somos um produto do contexto»

Neil Lawrence, professor catedrático de machine learning na Universidade de Cambridge e investigador sénior de IA no Alan Turing Institute, veio a Lisboa falar do que diferencia os humanos das máquinas e explicar que a inteligência artificial geral é um mito criado pelas grandes tecnológicas.

Neil Lawrence © FFMS

O docente e especialista em IA foi o convidado do videocast ‘Isto não é assim tão simples’ da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que decorreu no Pavilhão Carlos Lopes, e apresentou o seu livro ‘Humano, demasiado humano: o que nos torna únicos na era da inteligência artificial’.

Neil Lawrence realçou que a IA é uma tecnologia «disruptiva» e que vai ter um «impacto semelhante ao da Internet», mas «com maior potencial de mudança». O professor destacou que os principais desafios da tecnologia passam por fazer «frente às desigualdades sociais» e ser «implementada em áreas críticas, como a saúde e a educação», para «dar poder às pessoas que fazem da sociedade um lugar melhor». O investigador voltou a fazer uma analogia entre a Internet e a IA, dizendo que também a primeira «ia ser uma tecnologia de democratização», mas que a realidade é que «acabou por dar poder a um pequeno número de grandes empresas» e que o mesmo está acontecer agora com a inteligência artificial. Neil Lawrence foi também critico em relação à regulação: «Quando olhamos para a regulação desta nova tecnologia, vemos que ainda não compreendemos como regular a onda de tecnologia que surgiu há vinte anos, as redes sociais, que trouxeram desafios ao jornalismo e à segurança online, por exemplo».

O professor indicou qual pode ser a resposta nesta área: «Precisamos é que os reguladores estejam no terreno, mais perto das empresas, sejam colocados numa posição mais ágil, compreendam melhor os problemas que estão a ser enfrentados».

Contexto é diferenciador
«A coisa mais importante é o que as pessoas fazem e como usam a tecnologia», esclareceu Neil Lawrence, que disse ainda que o «mais difícil de prever é o que acontece quando as pessoas assimilam» a mesma. O especialista falou do conceito de AGI vaporware: «As grandes empresas de tecnologia dizem que estão a desenvolver uma inteligência artificial geral, o que é absurdo». O professor considera que a IA é uma tecnologia «totalmente transformadora» que «permite que todos falem com o computador e o controlem», o que significa ter acesso a um sistema com «trezentos milhões de vezes mais informação». Assim, as grandes tecnológicas vêem isto como uma «ameaça existencial», pois não querem que a «população em geral tenha o poder de construir e controlar a tecnologia da informação». Isto significa «persuadir todos de que esta é uma tecnologia que ultrapassa» as pessoas «em vez de fazerem o que deviam», ou seja, «produzir produtos que permitam às pessoas utilizar» a inteligência artificial.

Neil Lawrence sublinhou que inteligência é «usar a informação para tomar decisões» e que a «diferença fundamental entre a inteligência das máquinas e a humana é o ritmo a que se pode aceder à informação». O especialista afirmou que há uma diferença de «trezentas milhões de vezes entre a capacidade humana (2000 bits por minuto) e a de uma máquina (seiscentos mil milhões de bits por minuto) em aceder à informação», mas que «nem tudo se resume à velocidade». Segundo Neil Lawrence, apesar de ter rapidez no processamento da informação», a IA dá azo a algumas falhas: «Tem em falta a compreensão do contexto, a empatia e nunca vai pensar como os humanos, porque somos um produto do contexto». O investigador acrescentou que a IA «imita» as pessoas e «aparenta pensar como os humanos», mas que se comporta e reage «de formas que a maioria das pessoas não faria» – assim, é «impossível as máquinas substituírem os humanos». Em jeito de conclusão, o investigador lembrou um dos grandes desafios que teremos com a IA: «Esta tecnologia pode fazer-se passar por um de nós, mesmo que não seja um de nós».

Deixe um comentário