Além Fronteiras

Iniciativa Gaia-X ultrapassa críticas iniciais com exemplos de sucesso

A conferência Gaia-X Summit, realizada em Helsínquia, reuniu líderes e especialistas para discutir os avanços e desafios da iniciativa, mostrando como os data spaces estão a transformar sectores estratégicos e a reforçar a soberania digital europeia.

© Gaia-X

A iniciativa Gaia-X, criada para garantir a soberania digital das empresas europeias e oferecer um ecossistema seguro para dados, tem enfrentado desafios desde o seu início. Este projecto, financiado pela União Europeia, procura criar padrões e infra-estruturas tecnológicas capazes de assegurar a integridade, a segurança e a interoperabilidade de dados entre organizações, mas tem sido alvo de críticas devido ao seu enfoque inicial em “papelada” e processos burocráticos. Frequentemente descrito como um “monstro de papel” por figuras como Frank Karlitschek, CEO da Nextcloud, o projecto parecia destinado ao fracasso. Recentemente, porém, avanços significativos têm mostrado como a teoria começa a traduzir-se em prática, com histórias de utilização concretas que ilustram o seu impacto potencial em diversas áreas.

A Gaia-X Summit, realizada em Helsínquia, destacou-se como um momento crucial na trajectória do projecto. O evento contou com a presença de cerca de quatrocentos participantes, entre líderes da indústria, representantes governamentais e especialistas em tecnologia, que discutiram os avanços, os desafios e as oportunidades futuras para o Gaia-X. Ulriche Ache, CEO do Gaia-X, abriu a conferência com um discurso que abordou directamente as críticas ao projecto. «No início, era apenas papel, mas agora é realidade. Estamos a reduzir drasticamente o esforço necessário para ligar participantes a ecossistemas de dados, através de compliance automatizado e conexões automáticas. Isso permite escalabilidade real, conectando milhões a milhões», afirmou Ulriche Ache.

O executivo destacou na sua intervenção que a recente implementação de ‘data spaces’ demonstra o potencial transformador desta iniciativa. Este conceito de hubs de interoperabilidade de dados criados pela Gaia-X, por definição, criam ambientes colaborativos que permitem a partilha de dados de forma segura, algo essencial em sectores como o da aviação e da energia nuclear, onde a soberania de dados é crítica.

Data spaces abrem a porta a novos modelos de negócios
Durante a conferência, Klaus Ottradovetz, presidente do comité técnico do Gaia-X, reforçou a importância de padronização e confiança para o sucesso do projecto: «Agora, estamos a pavimentar o caminho para os data spaces com a ambição de ligar milhões a milhões, baseados em legislação como o Data Governance Act e o Data Act. Precisamos de padronização e confiança em todos os participantes para alcançar este objectivo», explicou. Klaus Ottradovetz revelou ainda detalhes sobre as quatro camadas de interoperabilidade (técnica, semântica, organizacional e legal) que sustentam o ecossistema Gaia-X.

Já Christophe Strnadl, CTO do Gaia-X, chamou a atenção para a necessidade de automação e escalabilidade nos processos de validação e certificação: «Falta-nos software para implementar automação e certificação electrónica, mas estamos a avançar rapidamente», afirmou. O executivo apresentou a mais recente versão do sistema, conhecida como ‘Loire’, que expande os padrões para mercados globais, permitindo interoperabilidade internacional sem comprometer os princípios europeus de soberania digital.

Outro destaque foi a ênfase em tecnologias emergentes, como inteligência artificial generativa e computação quântica, que estão a transformar a forma como os dados são geridos. Hubert Tardieu, director independente do Gaia-X, descreveu o papel central dos data spaces nesse cenário: «Serão a base para novos modelos de negócio, garantindo a troca segura de dados entre organizações e sectores». A conferência ofereceu ainda um espaço para apresentação de casos práticos, com líderes de projetos “farol” a partilharem os seus progressos e desafios.

Exemplos no mundo real
Apesar das críticas iniciais, o Gaia-X começa a apresentar resultados concretos. Na última cimeira em Helsínquia, alguns dos projectos foram apresentados, mostrando como os data spaces podem ser aplicados em sectores variados, como aviação, energia, educação, turismo e media. O projecto Skywise, liderado pela Airbus em parceria com a Palantir, é um exemplo concreto desta realidade: permite o uso de dados operacionais e de engenharia em tempo real para enfrentar desafios da indústria aeroespacial. Frederic Sutter, director do Skywise, enfatizou a importância de um sistema robusto para gerir uma cadeia de abastecimento com quinze mil fornecedores em 150 países. Segundo o responsável, é «vital que a Europa mantenha a liderança, dominando a troca segura de dados de forma soberana».

O Skywise destaca-se ainda na sustentabilidade, com iniciativas como o Direct Air Carbon Capture and Storage (DACCS), que permite às companhias aéreas compensar as suas emissões de carbono ao remover quantidades equivalentes de CO2 da atmosfera. Uma abordagem integra sustentabilidade e inovação e que os especialistas admitem demonstrar o potencial dos Data Spaces para resolver problemas globais. Outro exemplo foi o Eona-X, focado em mobilidade e turismo, que «provou o seu valor durante os Jogos Olímpicos de Paris», disse Dominique Epardeau, secretário-geral deste projecto, que explicou como foi possível coordenar o transporte de delegações com dados partilhados por membros como Air France e SNCF: «Criámos gémeos digitais para simular fluxos e resolver limitações». Graças a estes gémeos digitais, foi possível «gerir a movimentação de veículos e equipamentos com precisão», garantindo uma «experiência eficiente para atletas e organizações».

Prometheus-X e a formação de competências
No sector educacional, o Prometheus-X foi apresentado como uma forma de criar infra-estruturas interoperáveis para dados de competências e formação profissional. Harry Ketamo, fundador da Headai, destacou a segurança oferecida pelos data spaces: «Os nossos algoritmos e modelos não aprendem com os dados dos clientes, garantindo que informações confidenciais não são tornadas públicas». Esta abordagem permite que «milhões de utilizadores acedam a serviços educacionais e ferramentas de formação de competências» com «segurança e eficácia».

A EDF, uma produtora europeia de energia nuclear, também adoptou data spaces para gerir dados sensíveis de fornecedores. Martine Gouriet, directora de usos digitais, explicitou que este conceito tem de ser seguro e simples, especialmente para incluir pequenas e médias empresas: «Estamos a planear um data space nuclear escalável para os próximos dois anos que permite facilitar a colaboração em grande escala, ao mesmo tempo que respeita as complexas exigências de soberania nacional».

No sector dos media, a European Broadcasting Union está a trabalhar para criar um data sace que integre produtores, emissoras e plataformas digitais. Lucille Verbaere, gestora de projectos, destacou o impacto da fragmentação no sector: «Precisamos de colaborar mais, personalizar conteúdos e adoptar novas tecnologias para competir com grandes plataformas». Com mais de 42 parceiros envolvidos, este projecto está a criar soluções que interligam plataformas existentes e optimizam a produção e distribuição de conteúdos digitais.

O futuro do Gaia-X
Com mais de 150 projetos que vão desde soluções industriais a iniciativas educacionais em desenvolvimento, o Gaia-X ainda enfrenta desafios significativos, como a necessidade de automação de processos de validação e certificação. Além disso, comentavam os especialistas nos “corredores” de Helsínquia, o projecto está a expandir o seu alcance para mercados globais, adoptando padrões que permitem interoperabilidade internacional criando um desafio adicional.

Esta expansão pressupõe a integração de padrões regionais com as especificações do Gaia-X, criando um ecossistema que pode servir grandes organizações multinacionais. Um modelo apresentado pela organização como tendo o potencial de revolucionar a forma como os dados são geridos e partilhados em escala global. «O sucesso do Gaia-X depende de nossa capacidade de expandir a interoperabilidade globalmente sem perder o foco na soberania digital», reforçou Hubert Tardieu.

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