Entrevista

«Os portugueses têm um problema: não acreditam nos produtos nacionais»

Entrevista a Ricardo Quintas, CEO da Adamastor.

A Adamastor, com capitais 100% nacionais, quer revolucionar o mundo dos supercarros com tecnologia de ponta e inovação portuguesa. Ricardo Quintas, CEO, admitiu à businessIT que a grande “tormenta” a atravessar é a mentalidade dos portugueses, que tendem a achar os produtos estrangeiros melhores.

Numa entrevista recente, diz que quer levar a Adamastor ao «expoente máximo da tecnologia automóvel». Do que é que estamos, exactamente, a falar?

Estamos a falar no facto de a tecnologia que desenvolvemos internamente ser compatível com a utilizada por todos os fabricantes de supercarros do mercado, quer em termos de carroçaria, quer de aerodinâmica, chassis e materiais. O carro que vamos lançar é integralmente feito em fibra de carbono e noutros materiais compatíveis, nomeadamente favo de abelha de alumínio. Em termos aerodinâmicos, os primeiros desenhos de 2019 já contemplavam as formas e os conceitos aerodinâmicos que a Fórmula 1 usa no campeonato deste ano. Os materiais que usamos são de última geração, os nossos fornecedores são os mesmos que fornecem a Boeing, a Airbus, a Mercedes Formula 1 ou a Red Bull Engineering. Ou seja, em termos de materiais, tecnologia, soluções técnicas e aerodinâmicas, usamos exactamente as mesmas ferramentas que os outros. Portanto, não estamos atrás. Estamos a par dos melhores do mundo.

 

Pertence a uma família de investidores, empresários e empreendedores em vários sectores, desde ambiente a imobiliário. Por que razão decidiu investir num nicho tão específico como o dos supercarros?

Este projecto não tem nada que ver com o grupo [ndr: Nelson Quintas], é um projecto meu, pessoal. Tem que ver com o meu código genético, com o que o meu bisavô, o meu avô e meu pai me passaram. Gosto de empreender, de criar coisas novas e diferentes, não gosto de copiar os outros. A ideia deste projecto era fazer uma aproximação entre o mundo académico e o empresarial, realidades que, infelizmente, em Portugal, passam a maior parte do tempo de costas voltadas. As universidades fazem investigação de coisas muito teóricas que não nos levam a lado algum. Os nossos centros de investigação, muitas vezes estão mais interessados em obter apoios e fundos para sobreviverem, que para terem um pé forte nos mercados. E as nossas empresas não desenvolvem tecnologia. A maior parte do que é utilizado nas nossas indústrias é comprado fora e os nossos miúdos que estudam nas universidades, quando acabam os cursos, vão para as poucas oportunidades que conseguem arranjar. Não é para desenvolverem o cérebro, é para manterem uma produção, normalmente de produtos de baixo valor acrescentado. Com este projecto, queremos mostrar a Portugal, aos empresários portugueses e às universidades nacionais que, se juntarmos o mundo académico ao profissional, se tivermos coragem e não tivermos medo de errar, podemos criar coisas de altíssimo valor acrescentado. Podemos competir com qualquer país.

Temos condições para sermos melhores?

Temos universidades fabulosas, estão é muito mal-aproveitadas. Temos alunos maravilhosos que, quando acabam o curso, só têm uma solução: se querem brilhar, infelizmente têm de ir para fora. Para mim, isto é claramente uma perda de valor para Portugal, porque fomos nós, o Estado, que pagou a educação deles. Criei uma empresa para dar lugar aos nossos jovens formados, para dar uma oportunidade aos nossos cérebros.

Hoje, quantas pessoas, e com que competências, trabalham na Adamastor?

Neste momento, temos connosco catorze jovens, grupo no qual me incluo. Temos técnicos e engenheiros: estes últimos são todos formados em engenharia mecânica, com várias especialidades, desde dinâmica de fluidos, que lidam com a parte aerodinâmica, aos que fazem os chassis, as suspensões… temos ainda técnicos e especialistas na área dos compósitos e ainda mecânicos e técnicos especializados na fabricação e no trabalho com compósitos. Só trabalhamos com carbono e, como tal, precisamos de especialistas em laminar. Aliás, para ajudar a financiar este projecto, temos outras produções dentro da empresa, nomeadamente carroçarias para alguns carros que participam no Paris – Dakar, pás para geradores ou caixas de baterias para carros eléctricos.

Quando vamos conseguir ver o primeiro supercarro produzido pela Adamastor?

O carro só vai ser apresentado em 2024. Estamos a ponderar qual será a melhor altura, gostávamos que fosse um dia de Sol, mas para isso teríamos de esperar seis meses e não estamos interessados em aguardar tanto. Para já, é tudo segredo, não queremos que ninguém saiba, que é para quando o projecto chegar cá fora ter um impacto brutal – nós não estamos apenas a desenvolver um carro, nós criámos uma fábrica. Fomos nós que desenvolvemos, desenhámos e construímos os equipamentos para fazer o carro. Estamos a fazer tudo para termos uma capacidade instalada de 25 unidades/ano, é esse o nosso objectivo.

Quem são os potenciais clientes? Não estamos apenas a falar de carros de competição, pois não? Vão ter carros de estrada…

São carros de estrada, mas que podem ser utilizados em competição. Vão ter ambas as homologações. Este mercado é avaliado em cerca de dois biliões de euros por ano e está em constante crescimento. Espera-se que cresça cerca de 12%, este ano. Os principais clientes serão, em primeiro lugar, os colecionadores. Uma pessoa que colecciona supercarros, que gosta de ter o seu Pagani, Koenigsegg ou Aston Martin. Compra carros, não necessariamente para usar, mas sim para os ter como se fossem uma obra de arte. Depois, temos o cliente de emoção, que quer usufruir, quer ter uma máquina incrível, um Fórmula 1 com as rodas cobertas e uma matrícula, para poder andar na estrada. Por último, há o cliente que quer ter uma super-máquina para competição, seja para a competição oficial, seja para fazer simplesmente o track day ou participar em eventos organizados, onde se pode divertir e acelerar.

É um produto mais virado para o mercado internacional?

Claramente. Aliás, todo o nosso plano de negócios está focado no mercado internacional. Estamos convencidos de que os nossos clientes vão ser, nos primeiros anos, 100% estrangeiros. Os portugueses têm um problema: não acreditam nos produtos nacionais, não acreditam no que é nosso. Com este projecto, também quero desmistificar isso. Quero mostrar aquilo que se faz em Portugal, que é muito bom.

Daí o nome Adamastor?

Claro. O Adamastor não é um monstro, muito longe disso, mas é inspirado nos Lusíadas, como é óbvio. Representa a capacidade dos portugueses, navegadores e descobridores, de ultrapassarem as dificuldades. É um símbolo da nossa capacidade de superação, de resiliência, de nunca desistirmos, quando acreditamos em algo. Registámos a marca para mostrar que estamos aqui, de pedra e cal. Estamos aqui para lutar, para mostrar que somos resilientes: como empresa, como equipa e o próprio carro.

O que é que correu menos bem no projecto?

Quando tomámos a decisão, em 2019, de fazer este projecto, considerámos que tudo ia correr mal, que tudo se ia virar contra nós. Desde os fornecedores, às peças que íamos mandar vir chegarem atrasadas ou com defeito. Porque se estamos a contar com isso, projectamos soluções. Se imaginarmos que tudo vai ser fácil… mas o nosso verdadeiro Cabo das Tormentas não é este. O nosso verdadeiro Cabo das Tormentas é a nossa pátria, é Portugal. Ninguém vai acreditar em nós até o carro estar cá fora e fizer a primeira corrida e se classificar bem. O estrangeiro acredita em nós, o português é que não.

O que falta para virem para o mercado com o primeiro carro?

Terminámos o primeiro carro em Junho. Desmontámos e voltámos a analisar tudo. Agora, com as partes finais todas definitivas, voltámos a fazer uma nova unidade. Queremos ver se, ainda este ano, o levamos à pista para testar. Entretanto, e em simultâneo, estamos a preparar tudo para o processo de homologação. O que mais nos dói é ter de fazer, pelo menos, três unidades que vão ser testadas até ao limite nos testes obrigatórios, basicamente para atirar contra a parede. Mas estamos a pensar fazer a apresentação mundial do carro no primeiro trimestre do próximo ano.

Disse que iam ter uma capacidade instalada de 25 unidades por ano. Mas numa primeira fase pensam comercializar quantos?

O que está previsto é que, no primeiro ano, sejam vendidos dois carros de competição e dois de estrada – isto é, claramente, muito aquém da nossa capacidade instalada. Mas temos que provar ao mercado que o nosso carro é bom. E não é com campanhas de marketing, não é com catálogos que eu consigo isso. O meu mostruário, a minha força de vendas, vão ser os circuitos. Vamos ter uma equipa que vai competir em campeonatos de resistência para provarmos ao mundo que o nosso carro é resistente, resiliente e competitivo. Não quero que as pessoas sejam convencidas por uma campanha de marketing. Quero que as pessoas sejam convencidas de que o nosso produto é bom pelos factos, verem o carro a competir e testemunharem a sua grande performance.

Daqui a cinco anos, onde é que vamos ver a Adamastor?

Espero ser uma referência mundial, é para isso que trabalhamos. Queremos ser uma Ferrari portuguesa. Não em capacidade instalada – fazem 61 carros por dia – mas na notoriedade. Queremos que o nosso carro seja considerado uma raridade, uma peça de luxo, de colecção, e não apenas um carro.

Quanto vai custar um carro da Adamastor?

Ainda não sabemos. Mas faça o seguinte: vá ver a nossa concorrência e veja quanto custam. Não estaremos muito abaixo desses valores, porque, senão, as pessoas vão olhar para mim como o low cost dos supercarros. Queremos que o cliente olhe para nós e diga que está a pagar o valor certo. Nem mais, nem menos. Nem é barato, nem é caro. É o preço certo. Qualquer dia vou para aquele programa da televisão, antes do Telejornal.