Entrevista

«Somos uma empresa de pura tecnologia»

Entrevista a Luís Gama, chief information officer da Unicre.

Definem-se não como ‘uma’ empresa especialista em pagamentos, mas como ‘a’ melhor do sector. Em conversa com a businessIT, Luís Gama, chief information officer da Unicre, fala numa «disrupção digital» deste sector, onde Portugal continua a dar cartas, quer ao nível de desenvolvimento de soluções, quer no ritmo de adopção.

É fácil, hoje, definir o que é a Unicre?

Para mim é relativamente simples: a Unicre é “a” especialista no sector de pagamentos em Portugal.  Tendo 47 anos de experiência, foi sempre a empresa que liderou toda esta área de pagamentos.

Nestes últimos dois anos, o sector dos pagamentos foi altamente requisitado. Houve uma necessária, diria quase obrigatória, modernização por parte dos vossos clientes? Completamente. Costumo dizer que estamos a viver um momento de total disrupção. Já nem lhe chamo transformação digital, uma expressão muito utilizada em quase todos os sectores. Falo, sim, da tal disrupção  digital. Este é o sector, mesmo dentro da área financeira, mais agressivo e competitivo, no sentido em que desde os bancos tradicionais até às fintech – como Apple, Google -, startups e os principais players da indústria  e distribuição têm soluções de pagamento. Soluções que, sendo da concorrência, eu próprio utilizo, são boas. Repito: é um sector que, mais que em transformação, está em disrupção. Na Unicre, isso tem-se claramente reflectido nos últimos tempos. Ou seja, a estratégia que temos traçada, e publicamente anunciada há dois anos e meio, visa o propósito de ligar pessoas, empresas e tecnologia com experiências de pagamento únicas. Acho que estamos a conseguir cumprir.

A área dos pagamentos, principalmente quando falamos em conceitos como contactless e online, tem sempre associada alguma ideia de risco, de segurança. Já há menos relutância na utilização destes novos métodos e meios de pagamento. A pandemia obrigou-nos a ‘desdramatizar’ esta questão?

Estou completamente de acordo. No que tem que ver com segurança, a Unicre é fanática pelo tema. É genético. Vou reconhecer – e fica-nos bem – que sempre tivemos um misto de aposta na defesa, cibersegurança e sorte. Sempre tivemos extrema preocupação com os sistemas de segurança em tudo o que era aceitação de pagamentos, cartões, etc., mas no início de 2019 assumimos isto como uma das nossas prioridades. Uma dessas apostas foi o incremento do nível de maturidade da nossa cibersegurança – usando uma framework de defesa, avaliámos e traçámos um plano com cerca de quarenta iniciativas para aumentar o nosso nível de resiliência e maturidade em cibersegurança. Isto permitiu estarmos muito bem preparados para lidar com a pandemia, nomeadamente na deslocação dos colaboradores para casa, assim como dos próprios parceiros. Situação que fez, como todos sabemos, disparar as situações de ataque. Esta confiança transmite-se para os nossos clientes e comerciantes, que sabem que isso é uma das nossas prioridades, não comprometendo a funcionalidade do serviço. Esta vai continuar a ser uma das grandes apostas da Unicre.

Falou em mais duas apostas…

O tema da transformação digital é o nosso dia-a-dia, somos uma empresa de pura tecnologia. Aliás, nesta área de pagamentos, a tecnologia é o principal pilar. Para isso, definimos uma arquitectura de referência, muito assente em cloud. Tudo o que são novas soluções de transformação assentam nesta arquitectura – aqui, optámos por Microsoft Azure, mas estamos a estender a outras clouds, já que a nossa visão é multicloud. Depois, temos uma arquitectura tecnológica muito simples, assente essencialmente em Microsoft, com um acelerador de transformação Outsystems, que é chave. Ou seja, tudo o que é desenvolvimento de novas soluções passa por estas três componentes: cloud, Microsoft e acelerador  Outsystems.

Finalmente, a vertente de prática de transformação dentro de casa, que também teve de ser redefinida. Nesse sentido, temos adoptado, ao nível de toda a organização, uma prática Agile. É nestes três vectores que estamos a assentar a nossa actuação para conseguir entregar o nível de transformação que o negócio requer – tanto as áreas internas mas também os nossos clientes e comerciantes e parceiros.

Em termos de recursos humanos, sentem dificuldade em recrutar?

É uma área que não é fácil. A concorrência pelos melhores recursos é feroz. Há três anos, quando começámos a definir esta estratégia e idealizar como a íamos concretizar, criámos um modelo interno de trabalho, que apelidamos de ‘flexible work’ e que visava criar as condições para sermos mais atractivos que as outras entidades e empresas que procuravam estes mesmos recursos. Neste sentido, desenvolvemos, em 2019, um modelo  flexível, que mais uma vez, com um misto de visão e sorte, nos permitiu responder muito bem à situação pandémica.

Isto é: o nosso posto de trabalho é altamente performante, assente em tecnologia Microsoft Office 365, o que nos permite trabalhar em qualquer lado do mundo como se estivéssemos a trabalhar no escritório. Conseguimos, assim, fixar desde os estagiários que contratámos até aos vários técnicos que precisávamos de encontrar, que muitas vezes em Lisboa, na nossa proximidade, não existiam e sabíamos que remotamente, seja nacional ou internacionalmente, estavam disponíveis. Mas, para isso, tinham de poder trabalhar a partir de distintos locais. Definimos, assim, um modelo flexível que permitisse fazer teletrabalho, ter horário diferenciado e trabalhar por objectivos e não uma performance focada no horário e “picar o ponto”. Isto permitiu-nos atrair pessoas. Hoje, temos um conjunto de recursos internos muito competentes, funcionários da Unicre que fomos renovando.

A rotatividade dos recursos é muito grande?

Não há outra alternativa, a rotatividade é uma evidência, não vamos conseguir lutar contra isso. As equipas estão constantemente a ter alterações. Isso tem de ser compensado com know-how interno muito sólido. No nosso movimento para a cloud, a primeira coisa que fizemos foi capacitar os nossos recursos e contratar novos, que passaram a ser funcionários da Unicre, para que o know how-chave estivesse dentro de casa e que nos permitisse lidar com esse ‘turn around’ de elementos externos, que é uma realidade. Hoje, as grandes empresas têm muita dificuldade em segurar os seus recursos, até porque há uma grande procura internacional.

Actualmente, não chega dar um bom cheque ao final do mês?

Vejo isso muito nos estagiários que contratámos, vindos das melhores faculdades nacionais. O que eles mais apreciam – sendo claro que, no final do dia, a componente financeira também é importante – é a capacidade de fazer a diferença. É eu ter um estagiário ou um elemento júnior que, ao fim de meia dúzia de semanas, está a participar numa reunião com o nosso presidente, com o CIO ou com o director de negócio, que está a ter a oportunidade de acrescentar valor, de aprender. Temos histórias muito interessantes de pessoas com muita experiência em outras empresas que vieram trabalhar com a Unicre, porque ouviram dizer que estamos neste processo de transformação com tecnologias muito actuais e onde vêm aprender. Mas, acima de tudo, porque lhes damos espaço para acrescentarem valor e fazerem a diferença.

Portugal fica bem na fotografia europeia?

Acho que temos soluções muito funcionais, ritmos de adopção incríveis. No contexto pandémico, conseguimos criar uma plataforma de suporte a pagamento para o e-commerce, onde o crescimento foi exponencial. Houve ainda a aposta no contactless, que cresceu mais de 126% no último ano. Todas estas soluções de pagamento foram chave neste período. E aqui, a Unicre, como líder de mercado, desempenhou um papel muito importante.