Entrevista

«As empresas não estavam preparadas para a cultura do teletrabalho»

Entrevista a Cláudio Moreira, country manager da Mitel.

O teletrabalho veio revolucionar o mundo empresarial. Cláudio Moreira, country manager da Mitel diz, em entrevista à businessIT, que as empresas não estavam preparadas para esta realidade, não por escassez de meios tecnológicos ou de comunicação, mas antes por falta de cultura empresarial de liderança.

Os negócios estão em constante evolução, assim como o espectro de actuação das empresas. Hoje, como é que podemos definir a Mitel?

Somos um líder global especializado em comunicações empresariais. Fomos fundados em 1973, temos quase cinquenta anos. Para nós, isto é uma grande vantagem competitiva e de visão estratégica para o mercado. Não somos uma empresa novata que chegou agora, com muitas ideias inovadoras, mas cuja ligação à prática deixa muito a desejar. Somos uma empresa que traz um passado de desenvolvimento e inovação e aplicamos todos esses conhecimentos à era actual. Por isso, hoje, temos mais de setenta milhões de utilizadores a nível global que utilizam a nossa tecnologia.

É um legado pesado?

Olho para tudo isto como um factor motivador, não como um legado pesado. É o que nos faz sair da cama e pensar em como nos vamos reinventar. Esta cultura da inovação e da reinvenção, faz com que a família Mitel tenha, todos os trimestres, mais um milhão de novos utilizadores. É uma marca considerável.

O que oferecem hoje às organizações?

Um conjunto completo de produtos e serviços para comunicações e colaboração. A aplicação que estamos a usar para fazer esta entrevista, o MiTeam Meetings, é um bom exemplo disso.

Como vêem o mercado português?

Diria que há um misto de choque cultural com disponibilidade tecnológica. Ou seja, existe disponibilidade tecnológica, desde o WhatsApp, ao Facebook, do Zoom ao MiTeam Meetings… as pessoas conhecem esta tecnologia, sabem que existe e onde está. O problema é que as empresas não estavam preparadas para a cultura do teletrabalho, a cultura empresarial de liderança não sabia gerir pessoas em teletrabalho. O que vemos é que muitas empresas continuam com a liderança tradicional do ‘ou estás aqui ou não estás a trabalhar’. Não há uma cultura por objectivos.

Falta responsabilização no trabalho?

Quem é mau trabalhador, tanto o é presencialmente, como em casa. As empresas investem em tecnologia e pensam que está tudo feito e não está. Por exemplo, preparar uma reunião em teletrabalho é diferente de ir para a sala de reuniões do escritório: há crianças, há animais de estimação, há distracções e dinâmicas que não aconteceriam numa reunião presencial. Aqui, as empresas têm um papel fundamental em educar e dar ferramentas às pessoas para que elas se sintam enquadradas no espírito de teletrabalho. E se este for alinhado, se forem delineadas as obrigações e os prazos para cumprirem os objectivos, há depois ferramentas que medem e monitorizam o trabalho.

O último ano foi realmente atípico. Quais foram os grandes receios que os vossos clientes vos transmitiram?

Houve uma primeira fase em que os planos de contingência não previam, de todo, 100% dos recursos em teletrabalho, pelo que as nossas soluções foram muito solicitadas. Havia empresas que pontualmente permitiam que os seus colaboradores trabalhassem de fora, mas outras apenas tinham essa possibilidade no papel. Ou seja, numa primeira fase assistimos a alguma desorganização, com as empresas a tentarem agarrar as tarefas e actividades que vinham do passado. Depois, houve uma estabilização, mas os grandes receios que nos chegaram dizem respeito ao ‘dia seguinte’. De repente, começou-se a falar em layoff, as empresas a terem necessidade de se reorganizarem porque também os seus clientes estavam parados… a par disto, sentiam-se de alguma forma ineficientes por não estarem a responder à altura das necessidades.

Houve uma efectiva aceleração da digitalização e transformação digital neste último ano? Há a célebre frase do ‘fez-se em três meses o que era para ser feito em três anos’… há quem defenda que esta rapidez vai deixar marcas nas empresas. Qual a vossa visão?

Só as empresas mais bem preparadas vão sobreviver. E, nessa sobrevivência, todas vão ficar com cicatrizes, ninguém vai passar incólume. Quando estas empresas olharem para o espelho e virem as suas “cicatrizes de guerra”, não vão querer passar por outra. A definição de transformação digital é ‘usar tecnologia’ para melhorar processos, mas… onde ficam as pessoas?

Uma digitalização ou transformação digital tem de estar focada nas pessoas – com a ajuda da tecnologia para as tornar mais produtivas e eficientes. Vemos o futuro como híbrido, com ‘x’ dias de trabalho no escritório e os restantes no, digamos, habitat natural. Acreditamos que esta transformação vai continuar, com as pessoas a serem verdadeiramente o foco. Investir em software e processos, caros ou baratos, sem o foco nas pessoas resulta em receios. As pessoas querem saber qual o seu papel na fase 2 da transformação digital, têm de ser acompanhadas e informadas, vai ser um problema grave e um desafio para as empresas.

Este contexto de teletrabalho acabou por potenciar a procura pelas vossas soluções. Tiveram um aumento de receitas?

Sim, crescemos em termos de negócio em todas as regiões onde estamos, basicamente porque, enquanto organização, já estávamos preparados para isto há muitos anos. Internamente já cultivávamos esta cultura de teletrabalho, as pessoas já tinham as ferramentas e escolhiam o seu local de trabalho. Claro que a nossa organização tem perfil para isso, outras não o podem fazer. Por outro lado, já tínhamos os nossos produtos e soluções igualmente adaptados. Neste contexto, somos líderes mundiais em soluções de cloud, somos o fabricante com o maior número de utilizadores a nível global. Esta realidade já fazia parte do nosso dia-a-dia, aqui foi mesmo só acelerar, nada mais.

Em 2030, a RDIS, Rede Digital de Serviços Integrados, vai ser totalmente desactivada. Que impacto pode ter nas empresas?

Para as empresas, o fim da RDIS significa uma oportunidade de mudança. Quando foi introduzido, o RDIS era um protocolo de comunicações que permitiu um salto muito grande a Portugal, trouxe a Internet, a qualidade da voz… teve o seu período de maturação e chegou agora a altura da sua substituição pelo SIP – ou Session Initiation Protocol.

Enquanto a RDIS depende de fios físicos, o SIP é um serviço de telefonia baseado em IP, o que significa que pode combinar serviços de voz e dados, para tornar as telecomunicações do seu negócio mais eficientes do ponto de vista económico.

Por muito que a RDIS tenha disponibilizado um aumento da qualidade e novas funcionalidades para comunicações de voz quando foi lançada, a tecnologia SIP fornece funcionalidades para suportar o trabalho remoto, escalabilidade, segurança, fiabilidade, e muitas vezes resulta em economia de custos. Importante, permite a Voz sobre IP.

Será um processo simples ou complexo, para as empresas?

Vai depender de vários factores, como a localização. Infelizmente, em Portugal temos zonas onde a cobertura de dados, seja por fibra ou outro tipo de acesso, ainda é complicada. O País não está todo ao mesmo ritmo. Depois, a dimensão da organização: se for muito grande, com uma infra-estrutura que não esteja preparada, pode levantar desafios. E também depende da actividade: há sectores mais tradicionais e o acesso pode ser mais complicado.

Mas no fundo, o que representa para as empresas é uma mudança de actualização dos seus sistemas. É importante que estas empresas tenham alguém especializado que as possam guiar nesta transição, pois muitos dos clientes já têm os seus sistemas preparados, só que não sabem, logo não requer investimento. E investir é bom, mas onde realmente for necessário. Na maior parte das máquinas dos últimos dez anos, basta mudar a interface de RDIS para IP e está pronta a funcionar. A mensagem que a Mitel está a transmitir ao mercado é que a mudança traz benefícios, têm é de ser bem assessorados.

Como gostava que o mercado visse a Mitel?

Estamos há trinta anos em Portugal e ajudamos no dia-a-dia de clientes como o Exército, a Anacom, o Metro de Lisboa, os CTT, o Aeroporto de Lisboa… mas temo-nos sempre pautado por uma postura low-profile, o que está a mudar. Por isso gostava que a Mitel estivesse no primeiro radar de opções de todos os clientes empresariais em Portugal. O trabalho tem de ser nosso e estamos a fazê-lo.