Reportagem

Dinheiro é cada vez mais digital, mas ainda estamos longe de um mundo cashless

A pandemia acelerou a digitalização do dinheiro, que já estava a ocorrer em Portugal e no mundo, mas os dados mostram que ainda estamos longe de uma sociedade sem notas e moedas físicas.

A crescente utilização de pagamentos digitais nos últimos anos e a crença de que o futuro será mais digital que hoje, é um cenário unânime para quase todos os economistas e especialistas em finanças. De acordo com Peter Bofinger, professor de política monetária e economia internacional da Universidade de Wuerzburg, membro do Conselho Alemão de Peritos Económicos e do think thank Center for Economic and Policy Research, a definição de ‘digitalização do dinheiro’ é «incerta».

O docente considera que existem grandes áreas em que a digitalização poderá modificar o uso do dinheiro e a economia a nível mundial: «A substituição do numerário por dinheiro electrónico; dos depósitos bancários tradicionais e de notas e moedas por criptomoedas; e dos empréstimos bancários por empréstimos peer-to-peer com base em plataformas digitais».

Talvez a primeira área seja onde a sociedade está mais evoluída, já que as criptomoedas continuam a ser muito voláteis e dificilmente nos próximos anos irão substituir as moedas nacionais. No entanto, Christine Lagarde, actual presidente do Banco Central Europeu (BCE) já deixou vários alertas às instituições bancárias e aos reguladores para «levarem a sério as moedas digitais».

Portugal tem «um mercado bastante maduro no que aos meios de pagamento diz respeito e tem vindo a registar crescimentos recorrentes na utilização de pagamentos no retalho baseados em meios eletrónicos, sobretudo com cartões de pagamento, devido à maior conveniência e eficiência destes meios para o consumidor e para os comerciantes», explica Bruno Barbosa, head of corporate center da Unicre. Em 2019, os portugueses tinham, em média, pelo menos dois cartões de pagamento na carteira, «o que revela como este produto simples faz parte do dia-a-dia», salienta. No entanto, o mercado nacional difere um pouco do da Europa, explica o responsável: «O que tem vindo a mudar, embora de forma mais lenta do que vemos noutros mercados europeus, é a forma como utilizamos estes cartões, seja por via da rapidez que as soluções de pagamento sem contacto com o terminal (vulgo contactless) nos trazem, seja pela facilidade com que hoje em dia, de forma segura e confortável, conseguimos pagar com os nossos telemóveis, seja no online ou em loja no terminal de pagamento automático».

Um mundo cashless?
A digitalização é hoje uma realidade da sociedade e do sector financeiro. «Hoje o cliente procura uma oferta financeira que torne o acesso e utilização do dinheiro um processo mais simples, rápido e cómodo». Sobre o facto de estarmos a caminhar para uma sociedade cashless, Bruno Barbosa, não tem dúvidas de que sim, mas «lentamente» e deu dois exemplos disso mesmo: «Há cerca de dez anos, quando dizia a pessoas do meu círculo próximo que raramente tinha dinheiro na carteira, tinham dificuldade em reconhecer a ineficiência das notas e moedas. Hoje em dia, já vejo muita gente referir que é um desconforto ter de ir à máquina levantar dinheiro e que até estão dispostas a alterar hábitos de consumo, se determinado espaço comercial não aceitar pelo menos um meio electrónico de pagamento. Vemos também que muitas das lojas que evitavam aceitar pagamentos com cartão abaixo de cinco euros são cada vez mais raras, porque o consumidor está mais exigente na conveniência».

Os números mostram bem que «pagamentos em numerário são ainda muito expressivos, representam cerca de 70% e, apesar de os pagamentos digitais terem adquirido uma especial relevância durante o período pandémico em Portugal, e de terem contribuído para a mudança de alguns hábitos de pagamento, a verdade é que os pagamentos em dinheiro continuarão a ter o seu espaço nos comportamentos de consumo dos portugueses durante os próximos anos». Portugal está na média europeia, já que um estudo do BCE do final do ano de 2017 revelou que 79% das transacções ainda eram feitas em numerário, correspondendo a 54% do valor total dos pagamentos.

Pandemia trouxe hábitos diferentes
A diminuição do uso do dinheiro foi acelerado em 2020 em virtude da pandemia, como referiu Bruno Barbosa. Segundo dados da Unicre, «houve uma quebra nos levantamentos de dinheiro em caixas automáticos (ATM)» e «um crescimento sem precedentes dos pagamentos com tecnologia sem contacto: em 2019 o contactless representava 5% do total e agora essa percentagem ronda os 30%».

O head of corporate center acredita «que muitas pessoas que, por algum receio, optavam por não fazer pagamentos online, acabaram por experimentar e por compreender os benefícios e a facilidade que esta utilização permite». Desta forma, Bruno Barbosa diz que os pagamentos digitais em Portugal «já não são apenas o futuro, são o presente». Para isso, tem contribuído a marca Unibanco, que pertence à Unicre, e que «têm vindo a trabalhar ao nível da sensibilização e desmistificação daquilo que é a utilização digital do dinheiro», acrescenta.

Novas tecnologias têm de ser seguras
Inovação é, hoje, «impreterivelmente, sinónimo de simplificação». Um dos elementos para o sucesso de novas tecnologias adoptadas pelo sector financeiro é, entre outras, a «facilidade que empregam ao processo de pagamento e a segurança que conferem a qualquer transação», refere Bruno Barbosa. O responsável considera que é claro que «o investimento em inovação tecnológica se vai intensificar nos próximos anos».

O head of corporate center explica o motivo pelo qual o sector teve de se transformar e oferecer métodos de pagamento diferentes: «Estamos actualmente inseridos num paradigma de always on, que se reflecte na expectativa de o consumidor fazer pagamentos de modo completamente desmaterializado, em qualquer hora ou local, e por isso é tão relevante para o sector apresentar soluções que procurem responder a essas novas dinâmicas de consumo. Quanto mais facilitadora uma solução for para a utilização do dinheiro, melhor receptividade e fidelização terá dos consumidores». Mas mais que facilitar o processo de pagamentos, «um dos principais desígnios da inovação no sector é a garantia de segurança de toda a jornada da utilização do dinheiro, desde o seu acesso através de uma app de homebanking à realização de uma transação via wallet ou outro meio de pagamento. Temos como um dos principais desafios a resposta de cibersegurança que garanta a total proteção dos clientes, sem comprometer a melhor experiência do cliente».