Os CTT têm um negócio clássico: distribuir o correio. Mas, hoje em dia, o mundo já envia poucas cartas. E os CTT tiveram de se reinventar. Hoje são banco, plataforma de e-commerce e parceiros de startups. Francisco Simão, administrador responsável pela área de inovação, contou-nos o “seu” arrojado plano para tornar os CTT numa empresa do futuro.
O conceito de transformação digital parece ter-se tornado numa ‘buzzword’. Todas as empresas, em todas as conferências, abordam o tema. O que significa para os CTT a transformação digital?
Para já, contesto a expressão ‘transformação digital’ porque acho que não há transformação digital. Há transformação ou estratégia num contexto de um mundo cada vez mais digital. Não há hipótese de uma transformação ou de uma melhoria, mesmo que incremental, não ter o digital como ferramenta ou tendência. Ou seja, para nós não há uma transformação digital, há uma transformação e uma implementação de um conjunto de iniciativas estratégias, muito alavancadas em inovação, mas num contexto digital. Não há outra que não seja digital. Não há transformação analógica, física. O mundo está digital.
Como estão os CTT a percorrer este caminho de transformação. Particularmente, como tentam inovar?
Primeiro, a inovação faz-se num contexto de alteração dos modelos de negócio. Temos de transformar inovando nesses modelos. Temos um negócio core, que é o correio, que está – e vai continuar – a cair. Temos por isso de pensar em como alavancar para outros negócios os activos estratégicos que temos desenvolvidos para o correio. Daí termos crescido com o Expresso Encomendas, procurando assim crescer nas entregas de e-commerce nacionais. Crescemos ainda através de serviços financeiros e do Banco CTT. Temos uma rede de estações e uma marca na qual os portugueses confiam. Confiam ainda na nossa capacidade de gerir e colocar no mercado produtos financeiros.
É nesse contexto que surge a inovação e transformação?
O banco é, em si, uma inovação no modelo de negócio no contexto da transformação digital. Nasce alavancado na rede física, mas com uma oferta digital que se quer muito clara, seja nas aplicações de contacto com o cliente seja na forma de trabalhar, desde o call center ao backoffice de processos.
No banco, não temos ‘legacy’. Ou seja, não temos processos a correr ‘à antiga’. O banco é um nativo digital. Como exemplo de transformação digital temos ainda a parceria com a Sonae, que resulta num marketplace. Para simplificar, é uma Amazon à portuguesa que vai trazer mais negócio para os CTT. Já está em fase de desenvolvimento e será lançado no próximo ano. Um segundo elemento tem a ver com o lançamento de produtos e serviços. O consumidor - empresas ou cliente final – está habituado a interagir num contexto cada vez mais digital, pelo que temos de nos adaptar.
Como por exemplo…?
Os CTT Ads, o primeiro produto digital dos CTT. Esta é uma plataforma na qual, por exemplo, um pequeno negócio pode fazer uma campanha de correio publicitária de forma automática no portal, fazer o upload do panfleto, escolher a zona de influência no mapa… No fundo, é uma experiência digital para o envio de correio. Outro exemplo é a e-Segue, a nova oferta dos CTT Expresso de encomendas, uma oferta que permite ao e-seller ou seja, a quem vende, escolher uma oferta com janelas horárias, alteração do percurso a meio do caminho, a entrega em cacifos automáticos… tudo isto sustentado em uma app. Temos ainda o Portal Renda+, para apoio a senhorios, e inúmeras apps.
Ou seja, há vários exemplos de produtos e serviços que temos tentado fazer ou lançar e que na prática dão experiências digitais aos nossos clientes. Estamos a modernizar a forma como digitalmente contactamos com os clientes.
Nos CTT, como é feito o processo de inovação? Parte de uma necessidade de negócio ou da própria equipa de inovação?
A inovação, ou fazer as coisas diferentes é, para nós, uma necessidade. Temos um processo de inovação descentralizado. Não temos uma equipa de gurus sentada por aí a inovar e a criar coisas. Queremos que toda a organização tenha uma cultura de inovação. Fazemo-lo de duas formas distintas.
Por um lado, estimulamos as equipas internas com casos de uso de outros operadores postais, exemplos que as tecnológicas nos trazem… e vamos ‘picando’ as áreas para ter ideias e fazer coisas diferente. Foi assim que nasceu a robotização dos processos, que está agora a ser alargada; ou o recurso a Big Data e analytics, que está a ser implementado com um parceiro; ou ainda a robotização física, alimentada com self learning… há vários exemplos de inovação que surgem de dentro, mas normalmente estimulados por fora. Temos ainda uma abordagem aberta ao ecossistema de startups. Inclusivamente, lançámos o Programa 1520 que, na prática, é dar um rosto ao que já fazíamos antes.
Neste momento temos quinze parcerias com startups em produção – aliás, até compramos uma, que tem um produto chamado Recibos Online, 100% digital. Outro exemplo é o carro do futuro da distribuição de encomendas. No projecto Vedur temos já catorze veículos eléctricos, criados para distribuir encomendas, em circulação nas ruas de Portugal. Estamos a fazer um piloto de lockers, cacifos de distribuição automática…
Numa empresa como os CTT, qual é o maior entrave à inovação? É a capacidade de investimento ou, antes, a cultura da empresa?
As empresas com um legado histórico como os CTT têm grandes vantagens, como a cultura, o amor à casa, a marca, o reconhecimento… são verdadeiros “porta-aviões”, têm muita força. Mas são mais difíceis de virar. Este é um dos desafios. É virar o porta-aviões e fazer com que os nossos clientes, os nossos colaboradores, adoptem a mudança. Mas devo dizer tem sido um imenso prazer porque encontro uma organização muito aberta à transformação. É um desafio, sim, como é para todas as organizações com esta dimensão e história. Outra dificuldade que temos é a gestão do dia-a-dia com os projectos de transformação. Ao fim do dia, temos o correio, temos as nossas pessoas, as nossas operações a terem de ser geridas com qualidade e cumprindo com o requerido. Ao mesmo tempo, chamamos essas mesmas pessoas para os projectos de transformação e que irão delinear como vamos actuar no futuro. Também isto é um desafio, daí ser muito importante ter programas, como o 1520 e outras iniciativas.
Sabemos que a inovação e as tecnologias têm de estar alinhadas com o negócio. Hoje é mais fácil “vender” um projecto da área da inovação junto da administração?
Os projectos e os investimentos têm sempre de ser “vendidos” e justificados, com análise financeira, nem que seja para comprometer as pessoas com a sua execução e benefícios. Há sempre uma necessidade de escrutínio caso a caso e isso fazemo-lo. Os CTT têm um plano estratégico claro e alinhado pelo Conselho de Administração, pelos accionistas e administradores.
Desse plano faz parte transformar, fazer diferente e inovar pelo que se torna fácil, se o projecto fizer sentido, que o investimento apareça. Nunca tive muita dificuldade em trazer os investimentos para serem aprovados na medida em que estão alinhados pela estratégia.
Recentemente, anunciaram um plano de modernização das vossas operações e um investimento de quarenta milhões de euros…
Sim, para além dos modelos de negócios e de produtos e serviços, estamos a transformar a forma como trabalhamos, adaptando a estrutura dos CTT. Vamos investir em máquinas mais modernas, com maior capacidade produtiva e menor taxa de erros. Vamos criar centros de entregas de encomendas do futuro, adaptando a infra-estrutura e criando as condições para que os carteiros consigam entregar as encomendas a tempo, horas e com os requisitos que os clientes precisam.
Vamos ainda investir em PDA, motorização dos giros, em ferramentas digitais de planeamento de giros, algoritmos que optimizem, com base em informação pré-carregada, aquelas que são as voltas ideais dos carteiros e dos distribuidores de encomendas para um determinado dia. Estes quarenta milhões de investimento vão permitir transformar e optimizar a forma como trabalhamos.
O que é que gostaria, pessoalmente, de ver implementado?
Gostava de concretizar este plano de modernização das operações tal como planeado e com isso preparar e potenciar os CTT para o negócio do futuro.